São Paulo, segunda, 5 de maio de 1997.

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EUA têm em filósofa seu `Paulo Freire'

de Nova York

A filósofa da educação Maxine Greene, 79, teve no ensino público de Nova York mais ou menos o mesmo papel que Paulo Freire teve para a pedagogia mundial.
Com seus seis livros e vários artigos -que citam filósofos clássicos e contemporâneos, muita literatura, obras de arte e filmes-, Greene inspirou a geração que fez o movimento de escolas alternativas na cidade e que hoje busca novas relações de ensino-aprendizagem.
Foi uma das primeiras mulheres a virar professora no tradicional Teachers College da Universidade Columbia. Atualmente, realiza uma vez por mês um sarau em sua casa, onde reúne desde jovens professoras até intelectuais famosos, e está participando da filmagem de um documentário sobre sua vida.
Acaba de lançar o livro ``Soltando a Imaginação - Ensaios sobre Educação, as Artes e Mudança Social'' (Ed. Jossey-Bass, 221 págs.).
A seguir, trechos da entrevista concedida na terça-feira -antes, portanto, da morte de Freire, que ela cita várias vezes. (FR)

LITERATA - Na Academia há essa tendência de fazer códigos sagrados com a linguagem, de tal forma que as pessoas comuns não conseguem entrar. Eu queria ter uma linguagem para falar com as pessoas, que eu acho que eles não têm. Então eu era uma mulher, muito literata, ``soft'', não-racional.
PAULO FREIRE - O que foi maravilhoso para mim, quando li ``Pedagogia do Oprimido'' e um de seus livros de conversa, é que ele saiu dessa tradição que eu ouso dizer que saí. Ele cita (Jean Paul) Sartre, (Edmund) Husserl e toda tradição existencialista, fenomenológica e também os marxistas. Ele é marxista, mas não é determinista.
CONSCIENTIZAÇÃO -Para mim, as objeções para Paulo Freire -e eu recebi as mesmas objeções- eram que, quando você fala em conscientização, você assume que há uma consciência inferior e uma superior, e que você, o intelectual de classe média, tem a consciência superior. Freire teve o mesmo problema, porque ele é de classe média. Ele escreveu sobre aprender a ler no jardim de sua mãe.
CLASSE MÉDIA - Eu nomeei um dos capítulos de meus livros de ``generosidade maléfica'', que fala de quando a pessoa é de classe média e vai aos pobres para liderá-los do vale de opressão. Mas isso é uma nova opressão. E não houve uma única revolução que não tenha sido liderada por gente de classe média, como (Fidel) Castro, Lênin. Esse é o grande problema.
IMAGINAÇÃO - É olhar para o atual como se fosse um possível. Alguns formulam isso em termos de criar imagens na mente, dar uma perspectiva nova, outros formulam como sendo liberar significados. Mas o que eu tento fazer quando estou com uma platéia é fazê-la compreender como a imaginação funciona em sua mente. Tento tocar suas memórias lendo algo de quando eles eram crianças.
GLOBALIZAÇÃO - A globalização torna difícil descobrir qual é a imaginação local. Eu trabalho com estudantes americanos, mas eu não sei como trabalhar com estudantes brasileiros, ou tailandeses, ou chilenos. Eu não sei como tocar as primeiras experiências dessas pessoas.
TESTES - Eu tenho estado muito incomodada com esses testes padronizados. Eu estava em uma comissão estadual de currículo e avaliação, e eles ficavam falando da sala de aula mundial. Diziam que crianças coreanas vão melhor em matemática do que qualquer pessoa no mundo e que, então, nós temos que alcançá-las. E eu disse: ``Mas você quer viver em um contexto coreano?'' Esse é o problema, eles deixam de fora o contexto. Além disso, as pessoas são tão diferentes que nós temos que variar as nossas idéias do que é bom. Você não pode usar os mesmos critérios com todos.

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