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SAÚDE
Laboratório teria tentado fabricar indevidamente sulfato de bário, substância ativa do Celobar; empresa nega uso do produto
"Experiência" pode ter causado 20 mortes
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma experiência desastrosa do
laboratório Enila, do Rio de Janeiro, pode ser a explicação para as
mortes de 20 pessoas no país relacionadas ao contraste Celobar. A
droga é utilizada para destacar órgãos em exames de imagem.
A Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária) concluiu ontem que há fortes indícios de que
a empresa tenha usado no remédio matéria-prima produzida em
condições inadequadas por um
dos químicos da empresa. O material pode conter sais solúveis de
bário, altamente tóxicos.
O gerente-geral de inspeção e
controle de medicamentos da Anvisa, Antonio Carlos da Costa Bezerra, considera a investigação esgotada. Os resultados serão encaminhados hoje ao Ministério Público e à Polícia Civil do Rio de Janeiro pela vigilância sanitária do
Estado, para que tomem providências. Ontem, no fim da tarde,
não havia ninguém no laboratório, segundo funcionários.
A Anvisa ainda aguarda a conclusão de um laudo sobre o contraste que está sendo preparado
pela Fiocruz (Fundação Oswaldo
Cruz), do Rio.
Também será analisado material dos corpos das vítimas, mas o
laboratório que fará o trabalho
não foi definido.
O Enila declarou à Anvisa ter
adquirido recentemente cerca de
600 kg de carbonato de bário
-um produto não-farmacêutico- para tentar sintetizar sulfato
de bário, elemento radioativo que
é a substância ativa do Celobar.
Teria obtido 595 kg do sulfato. Só
informou o motivo da compra 24
horas após uma blitz da agência,
em que foi encontrada nota fiscal
da compra do carbonato.
Apesar de informar não ter utilizado o sulfato de bário obtido de
maneira experimental, a empresa
não apresentou prova do descarte
do produto, diz Bezerra.
Em geral, as empresas farmacêuticas não têm competência
técnica para fazer sulfato de bário
e correm grande risco de fabricar
um produto impuro, com sais solúveis -o sulfato de bário puro é
insolúvel, não é absorvido pelo
organismo. "Se ela tivesse essa
ousadia, iria conseguir um sulfato
de bário que iria ter altos índices
de contaminantes", afirma o gerente da Anvisa.
Os 595 kg de sulfato de bário feitos de maneira experimental seriam suficientes para produzir os
4.500 frascos do lote do Celobar
relacionados com as mortes, destaca. Ainda de acordo com Bezerra, as boas práticas de fabricação
determinam que amostras de matérias-primas fiquem retidas por
até um ano após o vencimento do
produto farmacêutico. "Não temos o que a empresa reteve, o
comprovante do descarte e a
comprovação de que foi usada
matéria-prima de origem declarada. Há indícios fortíssimos de que
esse produto [experimental] foi
usado em lotes", afirma Bezerra.
Os técnicos só souberam da experiência ao verificarem que a
quantidade de bário que o laboratório declarou ter em estoque era
incompatível com o que seria necessário para a produção declarada de Celobar entre 2002 e 2003.
O caso Celobar é considerado
pela Anvisa e especialistas o mais
grave já registrado no país, em razão do grande número de mortes
suspeitas. O total de óbitos é igual
ao número de mortes computadas desde 2001 relacionadas a remédios. Somente naquele ano é
que o país passou a ter uma farmacovigilância centralizada.
Fim de contrato
A Sachtleben Chemie GmbH,
uma das maiores e mais tradicionais produtoras de sulfato de bário puro do mundo, informou ontem por meio de seu representante no Brasil que o contrato com o
Enila foi encerrado no início de
2002 "por problemas comerciais". O último lote foi entregue
em fevereiro daquele ano. Segundo informações da Anvisa, foi a
última entrada de matéria-prima
de origem declarada.
Questionado se o encerramento
do contrato se deu por falta de pagamento, o representante da
Sachtleben Chemie GmbH no
país, Luiz Carlos Barbosa, disse
que "isso poderia ser um problema". Procurado nos últimos dias
para falar sobre a situação financeira da empresa, o Enila não se
manifestou sobre o caso.
O Centro de Vigilância Sanitária
de São Paulo informou ontem
uma morte suspeita na cidade de
Igarapava (448 km de São Paulo).
A Anvisa ainda não tinha sido informada do caso.
Segundo o delegado Carlos Fernando de Araújo, que investiga o
caso em Goiânia, o técnico de radiologia Antônio Eures Borges
afirmou ontem, em depoimento,
que havia notado, no dia 21 de
maio, diferença no Celobar do lote suspenso com os dos frascos
que vinha usando anteriormente.
Colaborou a Agência Folha
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