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São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2003

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SAÚDE

Laboratório teria tentado fabricar indevidamente sulfato de bário, substância ativa do Celobar; empresa nega uso do produto

"Experiência" pode ter causado 20 mortes

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma experiência desastrosa do laboratório Enila, do Rio de Janeiro, pode ser a explicação para as mortes de 20 pessoas no país relacionadas ao contraste Celobar. A droga é utilizada para destacar órgãos em exames de imagem.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) concluiu ontem que há fortes indícios de que a empresa tenha usado no remédio matéria-prima produzida em condições inadequadas por um dos químicos da empresa. O material pode conter sais solúveis de bário, altamente tóxicos.
O gerente-geral de inspeção e controle de medicamentos da Anvisa, Antonio Carlos da Costa Bezerra, considera a investigação esgotada. Os resultados serão encaminhados hoje ao Ministério Público e à Polícia Civil do Rio de Janeiro pela vigilância sanitária do Estado, para que tomem providências. Ontem, no fim da tarde, não havia ninguém no laboratório, segundo funcionários.
A Anvisa ainda aguarda a conclusão de um laudo sobre o contraste que está sendo preparado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), do Rio.
Também será analisado material dos corpos das vítimas, mas o laboratório que fará o trabalho não foi definido.
O Enila declarou à Anvisa ter adquirido recentemente cerca de 600 kg de carbonato de bário -um produto não-farmacêutico- para tentar sintetizar sulfato de bário, elemento radioativo que é a substância ativa do Celobar. Teria obtido 595 kg do sulfato. Só informou o motivo da compra 24 horas após uma blitz da agência, em que foi encontrada nota fiscal da compra do carbonato.
Apesar de informar não ter utilizado o sulfato de bário obtido de maneira experimental, a empresa não apresentou prova do descarte do produto, diz Bezerra.
Em geral, as empresas farmacêuticas não têm competência técnica para fazer sulfato de bário e correm grande risco de fabricar um produto impuro, com sais solúveis -o sulfato de bário puro é insolúvel, não é absorvido pelo organismo. "Se ela tivesse essa ousadia, iria conseguir um sulfato de bário que iria ter altos índices de contaminantes", afirma o gerente da Anvisa.
Os 595 kg de sulfato de bário feitos de maneira experimental seriam suficientes para produzir os 4.500 frascos do lote do Celobar relacionados com as mortes, destaca. Ainda de acordo com Bezerra, as boas práticas de fabricação determinam que amostras de matérias-primas fiquem retidas por até um ano após o vencimento do produto farmacêutico. "Não temos o que a empresa reteve, o comprovante do descarte e a comprovação de que foi usada matéria-prima de origem declarada. Há indícios fortíssimos de que esse produto [experimental] foi usado em lotes", afirma Bezerra.
Os técnicos só souberam da experiência ao verificarem que a quantidade de bário que o laboratório declarou ter em estoque era incompatível com o que seria necessário para a produção declarada de Celobar entre 2002 e 2003.
O caso Celobar é considerado pela Anvisa e especialistas o mais grave já registrado no país, em razão do grande número de mortes suspeitas. O total de óbitos é igual ao número de mortes computadas desde 2001 relacionadas a remédios. Somente naquele ano é que o país passou a ter uma farmacovigilância centralizada.

Fim de contrato
A Sachtleben Chemie GmbH, uma das maiores e mais tradicionais produtoras de sulfato de bário puro do mundo, informou ontem por meio de seu representante no Brasil que o contrato com o Enila foi encerrado no início de 2002 "por problemas comerciais". O último lote foi entregue em fevereiro daquele ano. Segundo informações da Anvisa, foi a última entrada de matéria-prima de origem declarada.
Questionado se o encerramento do contrato se deu por falta de pagamento, o representante da Sachtleben Chemie GmbH no país, Luiz Carlos Barbosa, disse que "isso poderia ser um problema". Procurado nos últimos dias para falar sobre a situação financeira da empresa, o Enila não se manifestou sobre o caso.
O Centro de Vigilância Sanitária de São Paulo informou ontem uma morte suspeita na cidade de Igarapava (448 km de São Paulo). A Anvisa ainda não tinha sido informada do caso.
Segundo o delegado Carlos Fernando de Araújo, que investiga o caso em Goiânia, o técnico de radiologia Antônio Eures Borges afirmou ontem, em depoimento, que havia notado, no dia 21 de maio, diferença no Celobar do lote suspenso com os dos frascos que vinha usando anteriormente.


Colaborou a Agência Folha


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