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PASQUALE CIPRO NETO
"Quando se diz "houveram'?"
Na semana passada, discutimos o emprego dos verbos
"haver" e "existir", com ênfase sobre a presença deles em locuções
verbais.
Talvez seja bom repassar a essência da questão: quando tem o
sentido de "existir", o verbo "haver" é impessoal, isto é, não tem
sujeito e fica sempre na terceira
pessoa do singular, em qualquer
tempo ou modo. Assim, se dizemos "Há muitos buracos em nossas rodovias" ("há" é a terceira
pessoa do singular do presente do
indicativo), dizemos "Havia (e
não "haviam') muitos buracos em
nossas rodovias".
Obviamente, o último exemplo
é mera quimera. É tão indécora a
situação de nossas estradas que
nem Deus sabe quando os brasileiros poderemos pronunciar a
frase do último exemplo sem que
nos queiram pôr no hospício.
Bem, voltando à questão "haver/existir", vimos que o verbo
"existir" não tem nada com a história, ou seja, é sempre pessoal
("Existem muitos buracos...").
Por fim, vimos também que, nas
locuções verbais, a cabeça pensante é sempre a do verbo principal; o verbo auxiliar apenas cumpre os desígnios do chefe. Moral
da história: "Deve haver soluções
melhores", "Devem existir soluções melhores"; "Pode haver outras implicações", "Podem existir
outras implicações".
Terminada a "revisão" (que na
verdade estende o que vimos na
semana passada, já que nos
exemplos deste texto foram empregados outros verbos auxiliares), vamos ao que interessa hoje:
as mensagens dos leitores. Não foram poucos os que escreveram
para perguntar quando se usa a
bendita forma "houveram".
"Se não se diz "houveram" (e sim
"houve') buracos nessa estrada",
quando se diz "houveram", afinal?", perguntou um leitor.
É compreensível a inquietação
dos leitores. Como vimos na semana passada, o verbo "haver"
não tem só o sentido de "existir".
Tem também o de "ocorrer" (caso
em que também é impessoal:
"Houve dois acidentes ontem"), o
de "obter", "conseguir" ("Ele espera haver o perdão do filho"), o
de "considerar", "julgar", "entender" ("O árbitro houve por bem
suspender a partida"), o de "sair-se", "comportar-se" ("Ele se houve bem na missão") etc. Pode ainda funcionar como auxiliar, na
formação de tempos compostos
("Ele não havia feito o trabalho").
A inquietação dos leitores se explica justamente pelo fato de que,
de todos os casos vistos no parágrafo anterior, o mais comum
(excetuados os da sinonímia com
"existir" e "ocorrer") é aquele em
que "haver" é usado como verbo
auxiliar, situação em que é frequente o emprego de "haviam"
("haviam dito", "haviam chegado", "haviam decidido", "haviam
entregado" etc.), mas não de
"houveram". O resultado disso é a
crença em que a forma "houveram" simplesmente não tem uso.
Tem uso, sim, mas não nos registros informais da língua. A forma "houveram" surge quando se
emprega "haver" com qualquer
sentido que não seja o de "existir", "ocorrer" ou "fazer" (na indicação de fatos ligados ao tempo,
fenômenos da natureza etc.): "Os
sentenciados houveram do juiz a
comutação da pena" (exemplo do
"Aurélio"); "Os alunos houveram-se muito bem nas provas"
(exemplo do "Houaiss"). É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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