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São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2003

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PASQUALE CIPRO NETO

"Quando se diz "houveram'?"

Na semana passada, discutimos o emprego dos verbos "haver" e "existir", com ênfase sobre a presença deles em locuções verbais.
Talvez seja bom repassar a essência da questão: quando tem o sentido de "existir", o verbo "haver" é impessoal, isto é, não tem sujeito e fica sempre na terceira pessoa do singular, em qualquer tempo ou modo. Assim, se dizemos "Há muitos buracos em nossas rodovias" ("há" é a terceira pessoa do singular do presente do indicativo), dizemos "Havia (e não "haviam') muitos buracos em nossas rodovias".
Obviamente, o último exemplo é mera quimera. É tão indécora a situação de nossas estradas que nem Deus sabe quando os brasileiros poderemos pronunciar a frase do último exemplo sem que nos queiram pôr no hospício.
Bem, voltando à questão "haver/existir", vimos que o verbo "existir" não tem nada com a história, ou seja, é sempre pessoal ("Existem muitos buracos...").
Por fim, vimos também que, nas locuções verbais, a cabeça pensante é sempre a do verbo principal; o verbo auxiliar apenas cumpre os desígnios do chefe. Moral da história: "Deve haver soluções melhores", "Devem existir soluções melhores"; "Pode haver outras implicações", "Podem existir outras implicações".
Terminada a "revisão" (que na verdade estende o que vimos na semana passada, já que nos exemplos deste texto foram empregados outros verbos auxiliares), vamos ao que interessa hoje: as mensagens dos leitores. Não foram poucos os que escreveram para perguntar quando se usa a bendita forma "houveram".
"Se não se diz "houveram" (e sim "houve') buracos nessa estrada", quando se diz "houveram", afinal?", perguntou um leitor.
É compreensível a inquietação dos leitores. Como vimos na semana passada, o verbo "haver" não tem só o sentido de "existir". Tem também o de "ocorrer" (caso em que também é impessoal: "Houve dois acidentes ontem"), o de "obter", "conseguir" ("Ele espera haver o perdão do filho"), o de "considerar", "julgar", "entender" ("O árbitro houve por bem suspender a partida"), o de "sair-se", "comportar-se" ("Ele se houve bem na missão") etc. Pode ainda funcionar como auxiliar, na formação de tempos compostos ("Ele não havia feito o trabalho").
A inquietação dos leitores se explica justamente pelo fato de que, de todos os casos vistos no parágrafo anterior, o mais comum (excetuados os da sinonímia com "existir" e "ocorrer") é aquele em que "haver" é usado como verbo auxiliar, situação em que é frequente o emprego de "haviam" ("haviam dito", "haviam chegado", "haviam decidido", "haviam entregado" etc.), mas não de "houveram". O resultado disso é a crença em que a forma "houveram" simplesmente não tem uso.
Tem uso, sim, mas não nos registros informais da língua. A forma "houveram" surge quando se emprega "haver" com qualquer sentido que não seja o de "existir", "ocorrer" ou "fazer" (na indicação de fatos ligados ao tempo, fenômenos da natureza etc.): "Os sentenciados houveram do juiz a comutação da pena" (exemplo do "Aurélio"); "Os alunos houveram-se muito bem nas provas" (exemplo do "Houaiss"). É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br


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