São Paulo, sexta-feira, 05 de junho de 2009

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BARBARA GANCIA

Alex


Confio que Alexander tenha encontrado em quem se apoiar e não tenha tido tempo de experimentar medo


NESTES DIAS, TEM me trazido um certo conforto lembrar que acidentes aéreos são bastante incomuns. A probabilidade de um passageiro morrer de avião é de 1 para 1 milhão. Se um passageiro embarcasse ao acaso em um voo uma vez por dia, todos os dias, estatisticamente ele levaria 21 mil anos para morrer.
E ainda assim, na semana passada, vi um amigo perder seu irmão, que morreu com a família toda na queda de seu King Air. Por ironia, ele tinha o mesmo sobrenome, Wright, dos irmãos pioneiros da aviação. Por coincidência, perdera a primeira mulher e a secretária em outros dois desastres de avião distintos.
E agora mais esta tragédia com o Airbus da Air France, justamente numa rota em que nunca houve um acidente em pleno voo de cruzeiro. O que terá acontecido? Passei a vida inteira ouvindo que turbulência não derruba avião. Mas será que o prazo de validade dessa assertiva já não expirou? A esta altura, só George Bush Jr., solitário lá no seu rancho em Crawford, no Texas, talvez ainda bata o pé e não admita que o aquecimento global é um fato, que as tempestades se intensificaram, que os invernos estão mais rigorosos e os verões, mais tórridos.
Na noite em que o avião da Air France desapareceu dos radares, a frente intertropical que atua sobre o Atlântico estava um tanto nervosa. Note que, dias antes, nós vimos uma barragem se romper no Piauí, Estado que sempre foi associado à danação da seca e que agora deu para sofrer com as enchentes. O que eu quero dizer é não adianta mais tapar o sol com a peneira e que talvez a aviação devesse começar a pensar em usar outros parâmetros para lidar com essa "nova natureza" que se apresenta.
Se aviões hoje são obrigados a passar a coisa de umas 20 ou 30 milhas de distância das famigeradas cumulus nimbus -as nuvens carregadas de eletricidade e água que podem derrubar uma aeronave de grande porte-, quem sabe, dadas as consequências climáticas do aquecimento global, já não fosse o caso de ir estudando a possibilidade de alargar essa distância para 50 ou 60 milhas?
Fico pensando no menino inglês Alexander Bjoroy, de 11 anos, que estava desacompanhado no voo AF 447. Alex tinha passado um período de férias com os pais que moram no Brasil e voltava para a escola na Inglaterra. Viajei sozinha de avião com essa idade diversas vezes e lembro que, apesar de todos os paparicos recebidos das aeromoças, ter de cumprir o percurso entre o Brasil e a Europa no ventre do monstro mecânico sem o amparo dos pais é uma sensação desconcertante para uma criança.
Confio que Alex tenha encontrado alguém em quem se apoiar, que não tenha tido tempo de experimentar medo ou sentir-se abandonado. Por uma questão de empatia, para mim ele se tornou o meu passageiro símbolo do voo 447.
O pessoal de bordo é treinado sobretudo para cuidar da segurança e do bem-estar dos passageiros. Servir o jantar é apenas acessório. Pois eu quero crer que, quando as coisas começaram a dar errado no voo da Air France, um dos comissários tenha se disposto a sentar com o menino e a envolvê-lo nos braços.

barbara@uol.com.br

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