São Paulo, Sábado, 05 de Junho de 1999
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LETRAS JURÍDICAS

Anos calmos para Velloso

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

Os novos presidente e vice do Supremo Tribunal Federal (STF), ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio, tiveram posse mais agitada do que de hábito, no antes, no durante e no depois. Antes, por causa do convidado que foi (Itamar Franco, convidado por Velloso) e do que desistiu de ir (Fernando Collor, convidado de Marco Aurélio). Durante, porque sempre pairou no público a impressão do comparecimento do presidente da República, ainda incomodado pelo episódio dos grampos e com a possibilidade, nunca descartável, de algum arroubo do governador mineiro.
Depois, porque, com o refinamento protocolar de acompanhar seus convidados até a saída, Carlos Mario e Marco Aurélio foram impedidos pela multidão de retornarem ao salão em que ocorrem os cumprimentos aos empossados.
A agitação não constitui, porém, prenúncio de dois anos perturbados por agitações. As posições do presidente do STF, em matéria do que entende conveniente para o Poder Judiciário, são conhecidas. Concordando ou discordando delas, deve-se reconhecer que Velloso diz o que pensa e pensa o que diz sobre sua corporação, há muitos anos. Dou o exemplo de seu comentário intitulado "Problemas e soluções na prestação da Justiça", aproveitando temas suscitados no 11º Congresso Brasileiro de Magistrados, em 1990, publicado como um dos capítulos do livro "O Judiciário e a Constituição" (Del Rey, 326 páginas), organizado por Salvio de Figueiredo Teixeira.
Nele Velloso reconheceu mazelas no Judiciário, expressão repetida em seu discurso, e mais, que os juízes trazem qualidades e defeitos dos seres humanos. Destacou, entre os maiores problemas, o desaparelhamento de seus órgãos, principalmente os da primeira instância, e acentuou, ainda, os males do excesso de formalismo.
O ministro está certo. Grande parte dos processos, em todas as Justiças (federal, eleitoral, dos Estados, trabalhista), termina na primeira instância. Creio que mais da metade. Todavia, o juiz das varas, das juntas e dos juizados do primeiro grau -apesar dos progressos da informatização- ainda é casca de noz solta e isolada no oceano judicial. Quando jovem e iniciante, reúne razoáveis conhecimentos doutrinários, mas tem vivência prática tendente a zero. Seis vírus perturbam a primeira instância: número insuficiente de magistrados, cargos vagos e comarcas não preenchidas, recrutamento inadequado, falta de especialização, falta de apoio administrativo e crescimento do número de processos.
Há uma inversão lógica porque o jovem juiz principiante tem de saber de tudo, no crime, no cível, no tributário, nas falências e no júri. Só depois de anos de carreira chegará à especialização. O paradoxo é gritante.
No estudo e no discurso referidos, Velloso defendeu soluções para obstáculos que esclerosam o Judiciário. Critica o controle externo da magistratura, no que estamos em lados opostos. O controle interno tem sido insuficiente. É preciso mudar.
Estamos, porém, do mesmo lado ao entendermos que o juiz indolente, descumpridor de prazos e horários, não residente na comarca (e, obviamente, o corrupto) deve ser responsabilizado civil e administrativamente, sem falar no processo penal, quando cabível.
Extraio da experiência de anos a convicção de que, embora busque o consenso da maioria de seus colegas, Carlos Mario da Silva Velloso saberá presidir o tribunal sem tormentosos confrontos com os outros poderes e com a sociedade. A maior agitação da posse é assunto passado.


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