São Paulo, segunda-feira, 05 de agosto de 2002

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MOACYR SCLIAR

A velhice dos robôs

Robô facilita vida de idosos em casa de repouso dos EUA. Os idosos de uma casa de repouso norte-americana estão recebendo ajuda extra nas atividades diárias de um robô chamado Pearl. Ele usa ultra-som e laser para se movimentar na casa de Oakmont, Pensilvânia, relembrando os moradores de seus afazeres e conversando com eles sobre o tempo e a programação da TV.
Folha Online, Mundo, 31.jul.2002

Babá é flagrada espancando três crianças.
Cotidiano, 31.jul.2002

Era a opinião unânime dos residentes da casa geriátrica: o robô era um grande amigo. Fazia-lhes companhia a qualquer hora do dia e da noite, conversava com eles, ainda que naquela voz monocórdica dos equipamentos eletrônicos, prestava-lhes informações. Desempenhava as suas funções com grande presteza e até humor: cada vez que alguém lhe agradecia, uma frase aparecia na pequena tela que tinha na testa: "Os humanos têm muito a aprender com os robôs". Uma brincadeira do cientista que o tinha construído e que era conhecido pelo senso de humor.
Pearl prestou serviços durante muitos anos. No entanto, e como sempre acontece com engenhos desse tipo, foi ficando obsoleto. Novos modelos surgiam, muito mais aperfeiçoados, modelos que faziam coisas como dar banho e servir alimentos. Além disso, Pearl estava começando a ratear. "Vai chover", dizia a previsão do tempo em sua tela. Não chovia: fazia sol, muito sol. Erros também apareciam na programação de TV. Por vezes a voz ficava ininteligível. Mais do que isso, a estrutura de metal começava a apresentar sinais de ferrugem. Pearl, concluiu o proprietário da casa, estava no fim. Mas ele não seria jogado fora; os idosos não admitiriam. De modo que veio um homem e levou-o para o Asilo dos Robôs, um grande depósito situado nos arredores da cidade. Lá, Pearl viu-se entre antigos robôs, alguns datando dos anos 60. Uma situação deprimente, da qual ele não se queixou: robôs não se queixam.
Periodicamente aparece um técnico e examina os veneráveis engenhos, fazendo um pequeno conserto aqui e ali. E foi numa destas visitas que o incidente aconteceu.
Para se distrair, o técnico trabalhava com a televisão ligada. Naquele momento estava sendo apresentado o noticiário; e o âncora comentava sobre uma babá que tinha sido flagrada, por uma câmera escondida, espancando as crianças de que deveria cuidar.
- Viu, Pearl? disse ele. - Aí está uma coisa que você, tenho certeza, não faria.
Neste momento a pequena tela se acendeu e uma frase apareceu nela. Aquela velha frase: "Os humanos têm muito a aprender com os robôs". Outro teria ficado impressionado. Não o técnico. Ele preferiu atribuir o ocorrido a um defeito qualquer nos velhos chips do velho Pearl.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.


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