São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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ÉTICA NA PROFISSÃO

Presidente do tribunal de ética da OAB-SP critica possível quebra de sigilo profissional; proposta gera polêmica

"Psicólogo não pode ser o juiz do cliente"

DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo, Braz Martins Neto, afirma que a proposta de quebrar o sigilo profissional em casos de violência, debatida pelos psicólogos, "não é singela". O advogado fez uma analogia com sua profissão.
"Parto do princípio de que, no exercício da defesa, o advogado não pode ser juiz do cliente." Segundo ele, no momento em que o advogado julga, ou o psicólogo decide o que deve ser informado às autoridades, pode estar em "desvio de função".
Um psiquiatra procurou Braz Neto para saber quais providências deveria tomar contra um paciente que representava perigo a outras pessoas. Ele recomendou uma medida de segurança para que o paciente fosse recolhido.
Celso Limongi, presidente da Associação Paulista de Magistrados, diz que o psicólogo só pode revelar um caso de violência para as autoridades se o paciente concordar. "Imagine se sou alguém que busca auxílio e ocorre a quebra do sigilo. Sentiria que fui agredido e não procuraria mais ajuda. Acho forçada a proposta do conselho, não acredito em êxito."
Ele destaca que o artigo 207 do Código de Processo Penal diz que são proibidas de depor pessoas que, por conta da função, devem guardar sigilo, "salvo se desobrigadas pela parte interessada".
Além do Código de Processo Penal, o artigo 5º da Constituição e diversos outros pontos do Código de Processo Civil resguardam o sigilo profissional, diz Marcelo Del Chiaro, advogado do Conselho Regional de Psicologia do Estado de São Paulo. Para ele, no entanto, a mudança em debate "não é contra essas legislações". "O sigilo é inerente a todas as profissões, mas por justa causa pode ser quebrado", afirmou.
Para Motauri Ciochetti de Souza, promotor da Vara da Infância e da Juventude do Ministério Público de São Paulo, a alteração discutida pelos conselhos "é salutar" porque muitos psicólogos não levam os relatos de abuso de crianças às autoridades.
"A Constituição diz que os direitos da criança são prioritários. Entre o resguardo dela e o sigilo, o respaldo deve prevalecer." Ele ressalta que, por isso, mesmo antes do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), os profissionais já tinham o dever de comunicar casos. Ele diz, no entanto, que algumas situações podem ser resolvidas durante o atendimento.
"Sempre foi um imperativo de consciência, agora colocamos a questão do risco [do paciente]", diz a psicóloga Ana Bock, que assumirá a presidência do Conselho Federal de Psicologia, sobre a mudança. Ela destaca, no entanto, que não caberá ao psicólogo fazer uma investigação, ir atrás das informações. Ele deverá procurar os órgãos competentes. Bock afirma ainda que o psicólogo "não é um delator", por isso deve avisar o paciente antes de qualquer providência. Ou largar o caso antes de informar as autoridades -no caso de deparar com um agressor, por exemplo.
Para o psicólogo e psicanalista Paulo Endo, pesquisador da área de violência na Universidade de São Paulo, o dever de abrir informações poderá inviabilizar o tratamento de agressores. "O sigilo é imprescindível."
Endo alerta ainda que a quebra do sigilo coloca de antemão "a falência da assistência prestada". E que muitas vezes o que o paciente diz não é a realidade. "Isso não é absolutamente um dispositivo que vá acabar com a criminalidade." (FABIANE LEITE)

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