São Paulo, sábado, 05 de outubro de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

Meios pacíficos de solução dos conflitos

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

R etomo o tema da posição dos Estados Unidos em face do Iraque na ótica do Direito. O assunto sugere uma volta no tempo, pois, no século 20, a guerra era uma opção aceita quando duas ou mais nações tivessem litígios a resolver. Hoje, conforme lembra o juiz da Corte Internacional de Haia, o brasileiro José Francisco Rezek, em seu livro "Direito Internacional Público" (Saraiva, 1991, 407 páginas): "A guerra é um ilícito internacional".
-E daí? -perguntará o leitor. Que diferença faz ser ilegal, segundo os ditames do Direito internacional? Alguém vai impor a legalidade?
A resposta é óbvia: não faz a menor diferença, porque o Direito internacional público está mais para as fábulas de La Fontaine, como a célebre história do lobo e do cordeiro, do que para o Direito. Este, em sendo afrontado, oferece medidas contra o infrator. Se o infrator for a nação mais poderosa do universo, a força de suas armas e de sua economia preponderará. Vale a pena, mesmo assim, lembrar alguns preceitos historicamente válidos sobre a solução pacífica dos litígios.
A lição de Rezek quanto aos meios para evitar a detonação do conflito armado indica, como o primeiro deles, aquele que tem frequentado o noticiário dos jornais. Trata-se do inquérito, para "apurar a materialidade dos fatos", para impedir os combates, as mortes e a destruição. No caso do Iraque, se o conflito não for evitado, a aviação americana destruirá tudo o que seus comandantes julgarem conveniente destruir, sem aparente possibilidade eficaz de reação pelos iraquianos. Os inspetores da ONU, na solução pacífica, seriam encarregados de verificar se o Iraque tem ou não tem armas de destruição em massa, revelando ao mundo a verdade encontrada. George W. Bush não aceitou tal solução e mandou o recado do Velho Oeste a Saddam Hussein: é rendição total ou vai levar bala.
O que se viu nas últimas semanas foi o recurso ao esforço diplomático, sempre por terceiros, ante a inviabilidade do entendimento direto entre as partes. O Brasil já atuou nesse campo, por exemplo, na chamada Guerra do Chaco, entre a Bolívia e o Paraguai nos anos 30 do século passado. Foi a mediação como segunda forma de impedir ou resolver o conflito. Consiste, na lição de Rezek, em tomar "conhecimento do desacordo e das razões de cada um dos contendores para finalmente propor-lhes uma solução". A Arábia Saudita e outros países fizeram sugestões recentes, buscando evitar o ataque unilateral, sem satisfazer o primeiro elemento da mediação, ou seja, a confiança das partes em disputa. Outra curiosidade histórica é a de que o Brasil, a Argentina e o Chile fizeram mediação entre os Estados Unidos e o México, em 1914, permitindo-lhes resolver questões de fronteira.
A ONU é o teatro apropriado para a aplicação dos meios políticos de solução, conforme consta da Carta das Nações Unidas, sobretudo através do Conselho de Segurança. Em certos casos, a ONU pode intervir militarmente, mas a prática demonstra que essa intervenção não é capaz de recompor a paz como solução definitiva. Rezek, escrevendo doutrinariamente (sem ter em vista o caso atual), observa que a desobediência a uma resolução do Conselho de Segurança constitui ato ilícito, "como seria a desobediência a uma sentença arbitral ou judiciária". Mas o fato é que Bush filho, querendo "lavar a honra" de Bush pai, parece não ligar a mínima para a conversa dos juristas. As consequências, porém, nos atingirão a todos. Juristas e não-juristas. Só podem ser más.


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