São Paulo, terça-feira, 05 de outubro de 2004

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LEGADO INDUSTRIAL

Associação de moradores teme que criação de museu e oficinas profissionalizantes crie fluxo excessivo na área

Reforma de vila operária gera controvérsia

FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL

O projeto de revitalização de uma das mais importantes vilas históricas da cidade de São Paulo, a Maria Zélia, no Belenzinho (zona leste), provocou uma controvérsia entre a prefeitura paulistana e os moradores.
No mês passado, a administração apresentou uma proposta de reforma dos seis edifícios desse bolsão residencial, marco do processo de industrialização brasileira no início do século 20. Inaugurada em 1916, foi a primeira vila operária da cidade a ter equipamentos sociais, como escolas, hospitais, restaurantes e creches.
A prefeitura quer instalar ali o Museu do Trabalho e diversas oficinas profissionalizantes. Também faz parte da proposta a retomada de um terreno público que foi ocupado irregularmente nas últimas duas décadas pelos residentes da vila, que construíram quadras esportivas e um centro de convivência social.
Os moradores temem que o museu e as oficinas criem um pólo de atração muito grande para a estrutura da vila, um conjunto de 12 pequenos quarteirões onde ainda hoje garotos empinam pipa no meio da rua, como acontecia há 90 anos, quando o rio Tietê, no seu leito original, cortava os fundos do terreno, ao lado da fábrica de tecidos do empresário Jorge Street -o idealizador da vila.
Segundo a prefeitura, o projeto prevê a abertura da vila -ainda que controlada- para excursões turísticas, inclusive de estudantes, com a entrada de ônibus e a construção de um estacionamento nos fundos do terreno.
"Vivemos em um lugar tranqüilo desde que éramos crianças", diz Paulo Alexandre Salomão, 38, vice-presidente da SAVMZ (Sociedade de Amigos da Vila Maria Zélia). "Além de fazer barulho e tirar nossa tranqüilidade, a nova movimentação pode atrair assaltantes para cá", critica.
Apesar de representar oficialmente a vila, a avaliação de Salomão não é unânime. A psicóloga Éride Albertini, 52, que ainda hoje vive na mesma casa amarela onde nasceu, vê com bons olhos o projeto da prefeitura. "A revitalização vai transformar toda a vila num museu a céu aberto e atrair oportunidades para os moradores."
A participação de Albertini em reuniões com representantes da prefeitura motivou reclamações da associação. "Ela não tem voz legal, não representa os moradores", pontua Salomão. A psicóloga rebate: "O pessoal da sociedade não olha para o futuro".
Em meio ao bate-boca, o Patri (Departamento de Patrimônio da prefeitura) negou, dias atrás, à associação a posse legal do terreno de 13 mil m2, onde funciona a sede social da entidade. Com isso, a área continua a ser pública, ainda que ocupada e preservada há anos pelos moradores da vila.
"Essa área deve atender a todos os moradores da cidade, e não apenas a um grupo de residentes", afirma o urbanista Paulo Bastos, chamado pela prefeitura para elaborar o projeto de reforma. Para ele, é possível conciliar a preservação histórica com a qualidade de vida de quem mora na vila. "Impacto, sem dúvida, haverá. Resta sentarmos juntos com os moradores e discutir como minimizá-los", diz Bastos.
Membros da associação sentem-se alijados da discussão. Dizem que as reuniões serviram apenas para a prefeitura informar sobre o andamento do processo. "Eles não estão ouvindo nossa reivindicação, que é preservar a vida tranqüila da vila", diz Salomão.
Enquanto as discussões sobre o destino da Vila Maria Zélia continuam, o prazo para que a prefeitura defina o projeto está terminando. Até 20 de dezembro a comissão formada por três secretarias municipais deve apresentar a proposta final.
Nos últimos dias, a Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade enviou cópia do projeto a quase todos os moradores. Quer sugestões para redefinir a proposta. "Não tem nada fechado por enquanto. Mas temos de cumprir o prazo", afirma Rosana de Freitas, chefe-de-gabinete da secretaria.


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