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Estudante passou véspera em hotel,
não usou álcool e saiu despercebido
ALENCAR IZIDORO
AURELIANO BIANCARELLI
CLEIDE FLORESTA
da Reportagem Local
Pouco antes de
sair do hotel com a
sacola azul, onde
estaria carregando
a metralhadora, no
começo da noite da
quarta-feira, Mateus da Costa
Meira passou a camisa que iria
vestir para o crime. Tinha trazido
na bolsa um ferro de passar.
Na noite que antecedeu à "matança no shopping", o estudante
ocupou o quarto 915 de um hotel
três estrelas da região central de
São Paulo. Dormiu numa cama
de solteiro com duas reproduções
de Monet na cabeceira.
Nas 24 horas que passou no hotel, Meira consumiu seis refrigerantes, duas águas, um filé grelhado e seis chocolates Garoto. Não
tomou cerveja nem deixou sinais
de que tivesse consumido bebida
alcoólica. Nas poucas horas em
que ficou fora do hotel, teria comprado a metralhadora que usaria
no cinema pouco depois.
Meira registrou-se no Príncipe
Hotel, na avenida São João, às
17h10 da terça-feira, dia 2. Preencheu a ficha com seus dados pessoais corretos e subiu para o quarto, que estava com diária promocional de R$ 66. Não saiu aquela
noite e, comeu e utilizou um pente e um barbeador. Não fez nenhuma ligação interurbana.
Na quarta-feira, a camareira encontrou-o no corredor por volta
das 8h30 e perguntou se poderia
arrumar o quarto. O estudante
disse que sim, depois não foi mais
visto pelos funcionários do hotel.
Na manhã de ontem, a mesma
camareira entrou no quarto 915
para arrumá-lo, sem saber que a
polícia já tinha estado lá durante a
madrugada. "Estava uma desordem. O colchão no chão e um ferro de passar roupas sobre a penteadeira. Tinha uma tesoura de
ponta fina, algodão e gaze espalhados pelo carpete. Havia muitas
pedrinhas parecidas com miçangas pelo chão e papéis parecidos
com os de cartão de crédito. Eu
limpei tudo com o aspirador."
O estudante passou pelo hotel
tão despercebido como passou
pelo curso de medicina e pelo prédio de apartamento onde morava,
em Santa Cecília, região central.
Os estudantes que conviviam
com ele e os vizinhos do prédio limitaram a descrevê-lo em poucas
frases pontuadas de não: "quase
não falava", "não gostava de festa", "não tinha namorada".
As pessoas que tiveram contato
com o estudante o descrevem como um rapaz triste e que vivia
com medo. O zelador do prédio
disse que muitas vezes Meira se
recusava a abrir a porta do apartamento até para pessoas próximas.
Um funcionário do prédio disse
que ele tinha "mania de perseguições". "Achava que tinha gente
seguindo ele por toda parte", disse um dos porteiros. Uma noite
ele chegou a pedir as chaves da casa de força dizendo que a pessoa
que o perseguia estava lá dentro.
A psicóloga da Santa Casa, Patrícia Bellodi, disse que tentou várias vezes marcar consultas com o
estudante, mas que ele não atendia nem mesmo o celular.
Meira cursava o sexto ano de
medicina da Santa Casa de São
Paulo e desde outubro não frequentava as aulas. Em outubro, a
família chegou a apresentar um
atestado médico de 15 dias.
Suas notas eram medianas.
Pensava ser oftalmologista, como
o pai. A origem e o sotaque renderam-lhe o apelido de "baiano",
que o chateava.
Nos últimos meses, Meira vinha
atrasando o condomínio do prédio, R$ 250 por mês, e não pagava
a TV a cabo. A polícia suspeita
que há meses vinha economizando para a metralhadora e uma
pistola que lhe custaram R$ 5.000.
Na faculdade, muitos estudantes se referiram a Meira como
"aquele cara que ninguém conhecia, que não falava com ninguém
e que sempre era visto sozinho".
Discreto, ele conversava pouco
com os colegas e raramente falava
da vida pessoal. De fala manso,
gosta de computador e de esportes, especialmente triatlo, que
reúne corrida, natação e ciclismo.
Meira não frequentava as festas
e dificilmente ia à "Toca" -lanchonete da Santa Casa onde os
alunos costumam se reunir.
Segundo Ernani Geraldo Rolim,
diretor da instituição, no seu histórico escolar há o registro de um
único incidente: no quinto ano ele
se negou a fazer plantão, prática
obrigatória entre os estudantes do
quinto e do sexto ano.
Por causa dessa recusa, ele foi
encaminhado à Comissão de
Apoio Psicológico e Pedagógico.
Foi a comissão que o encaminhou, em abril, ao Repan (Retaguarda Emocional para o Aluno
de Medicina), um departamento
que dá apoio psicológico aos alunos. Segundo a psicóloga Patrícia,
ele tinha dificuldade para se relacionar com pacientes, mas compareceu a uma única sessão.
A faculdade terá de decidir o
destino de Meira no curso -ele
estava a apenas um mês do final.
Tatiana Regina Criscuolo, 30,
que como ele repetiu o quarto
ano, diz que desde o primeiro ano
ele sempre se manteve distante
dos colegas. "No começo, nem
cumprimentava os outros."
Ela disse ainda que Meira era rejeitado pelos outros colegas de
classe. Segundo ela, ele nunca falou claramente sobre isso, mas ela
percebeu que isso o incomodava.
"Ele sempre saia de perto quando
começavam com brincadeiras."
A estudante também costumava falar com os pais de Meira pelo
telefone, que sempre faziam perguntas sobre seu comportamento
na escola: "Se ele estava indo as
aulas, se estava estudando".
Ela conta ainda que às vezes ficava um tempo sem falar com ele,
tentava ligar, mas Meira não respondia. Tatiana chegava a ir ao
apartamento dele. "O porteiro falava que ele estava lá, mas que não
adiantava chamar."
Segundo Sonia Iaia Vespa da
Silva, secretária do quarto ano da
faculdade, Meira era um garoto
triste. "Às vezes dava a impressão
de que ele fazia um curso que não
queria, que era imposto."
Moradores e funcionários do
edifício onde Meira vivia sozinho
disseram conhecê-lo muito pouco e que ele não tinha amigos no
local. "Ele era anti-social. A gente
quase não tinha contato. Ele não
cumprimentava ninguém", afirmou um funcionário da limpeza.
Meira morava havia cerca de
três anos no atual apartamento de
dois dormitórios cujo aluguel está
avaliado em R$ 600. Muitos dos
moradores são estudantes e funcionários da Santa Casa.
Meira saía todos os dias do prédio antes das 8h para ir à faculdade. Voltava depois das 11h para almoçar e, logo no início da tarde,
saía novamente. O estudante só
retornava no final da tarde.
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