São Paulo, terça-feira, 05 de novembro de 2002

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HABITAÇÃO

Pesquisa CDHU/Fundação Seade, feita em Santos e São Paulo, reorienta programas habitacionais pelo novo perfil

Cortiço abriga solitário e família pequena

SÉRGIO DURAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Estudo da Fundação Seade e da CDHU, apresentado ontem, mostra que predominam famílias com somente um filho e gente sozinha entre os moradores de cortiço. A pesquisa concluiu que a grande maioria acha mais vantagem do que desvantagem em viver nessa situação, principalmente por estar perto do trabalho e gastar pouco.
Segundo o diretor-presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), Luiz Antônio Carvalho Pacheco, as conclusões da pesquisa levaram-no a reforçar produtos em teste na política do Estado. Exemplo: o aluguel social, pelo qual o governo oferece moradia adequada cobrando uma parcela ajustada ao salário do morador.
Os números -resultado de entrevistas feitas nos bairros do Pari, centro de São Paulo, e Paquetá, centro de Santos, litoral sul do Estado- levam à conclusão de que viver em cortiço pode ser uma opção de vida para uma parcela da população, e não apenas a única alternativa antes do viaduto.
Em São Paulo, a Fundação Seade entrevistou 2.776 pessoas do Pari, bairro dos mais representativos no universo de encortiçados da capital. Segundo o estudo, predomina, nesses locais, o homem jovem, com escolaridade e renda baixas. As famílias de até dois componentes e os solitários são grupos destacados.
Apesar da moradia insalubre, os encortiçados paulistanos têm a favor uma espécie de sonho de consumo dos outros moradores da cidade -89,1% trabalham, sendo que 62,5% vão a pé para o serviço.
Entre os que trabalham, um terço tem registro na carteira, outro terço é autônomo e 15%, assalariado sem registro.
Para esses, considera o arquiteto-urbanista Eduardo Trani, superintendente de planejamento empresarial da CDHU, um conjunto habitacional na periferia não representa muita coisa.
"Se essas famílias tivessem como alugar uma kitchenette no centro, viveriam no aluguel, mas, como estão na informalidade e ganham muito pouco, só lhes resta o cortiço", diz Trani, um dos responsáveis pelo estudo.
No Paquetá, em Santos, bairro que abriga cortiços datados do século 19, foram avaliadas 622 pessoas, distribuídas de forma equilibrada em todas as faixas etárias, de 0 a mais de 70 anos. Desses, 40,7% moram sozinhos e 21,3% são famílias com dois membros. A maioria trabalha, mas ganha pouco. A escolaridade é baixa.
Há outros dados curiosos. Em São Paulo, por exemplo, 94,9% dos entrevistados afirmaram que há mais vantagem do que desvantagem em ser encortiçado. Mesmo que isso represente usar o tanque coletivo para lavar roupa (89,6% dos casos), o mesmo banheiro (84,4%) ou dormir em quarto sem janela (27,5%).
Em Santos, 71,5% dos moradores de cortiços pagam o aluguel em dia. Os atrasos maiores chegam a três meses. A maioria vai a pé para o trabalho ou usa a bicicleta ou moto próprias.
A pesquisa servirá de base para o Programa de Atuação em Cortiços (PAC), da CDHU. Lançado há alguns anos, o programa só decolou a partir de junho passado, quando a companhia conseguiu assinar contrato de financiamento com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). O orçamento é de US$ 70 milhões (R$ 247,1 milhões na cotação de ontem), metade vinda do banco.
Somente em São Paulo será possível atender, segundo a CDHU, cerca de 5.000 famílias ou, em média, 15 mil pessoas. Há, segundo o Censo 2000, cerca de 182 mil encortiçados na capital.
O programa será desenvolvido nos bairros Pari, Brás, Belém, Mooca, Cambuci, Liberdade, Bela Vista, Santa Cecília e Barra Funda. Em Santos, o projeto será desenvolvido na região central.
Segundo o diretor-presidente da companhia, o programa não irá obrigatoriamente transferir todos para um conjunto habitacional, mas dar alternativas como a reforma do próprio cortiço.
No aluguel social, a CDHU trabalha também em parceria com a Prefeitura de São Paulo, pioneira na defesa dessa modalidade. O primeiro teste com o aluguel chamou-se "concessão onerosa".
As famílias do empreendimento Pari A, na avenida do Estado, pagarão por cinco anos uma espécie de aluguel ao Estado. Vencido o prazo, podem fazer opção de compra. "Isso é para acompanhar o dinamismo da população. A rotatividade nos cortiços também é grande", afirma Pacheco.


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