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MARILENE FELINTO
Brasília e Febem paulista: dois lados da vergonha
Fabrício Klein tinha 18
anos em 1996, quando atropelou e matou, em Brasília, o pedreiro Elias Barboza de Oliveira
Júnior. Fabrício é filho do então
ministro dos Transportes Odacir
Klein (PMDB-RS). O laudo do
Instituto de Criminalística confirmou, na época, que o rapaz estava em excesso de velocidade na
hora do crime.
Ele vinha de um churrasco onde
bebera cerveja. O pai estava a seu
lado, no banco do carona. Fabrício e o pai fugiram sem prestar socorro à vítima. Só foram descobertos porque uma testemunha
anotou a placa do carro.
Saiu há poucos dias o resultado
do caso: Fabrício está livre. Não
tem culpa de nada. Não cometeu
crime nenhum. O STJ (Superior
Tribunal de Justiça) declarou que
ele não pode ser punido porque o
crime "prescreveu", passou da
época de ser julgado (quatro anos
em caso de menores de 21 anos).
Era melhor que a sentença fosse
mais clara: Fabrício não pode ser
punido porque é filho de poderoso. Fabrício não vai puxar um xadrez porque é filho de rico. É o sistema jurídico brasileiro de sempre, pronto para contemplar o
horror e se omitir no momento
decisivo -a favor, sempre, da
gente privilegiada.
Não é à toa que os adolescentes
das classes altas de Brasília primam pelas erupções primitivas de
violência, por demonstrações públicas de barbárie inconcebível:
talvez se sintam protegidos, próximos demais que vivem do poder, da atmosfera de privilégio,
favor e garantia de impunidade
entre poderosos.
Em 1997, os cinco rapazes que
incendiaram e mataram o índio
pataxó Galdino Jesus dos Santos,
em Brasília, devem ter seguido esse mesmo raciocínio. Eram todos
de classe média: Antônio Novély
Vilanova, Tomás Oliveira de Almeida, Eron Chaves de Oliveira,
Max Rogério Alves, todos com 19
anos na época, e um menor.
Em 17 de outubro último, um
garçom foi morto a socos, pontapés e cadeiradas por um grupo de
jovens também de Brasília em
Porto Seguro (BA). Todos de classe média e universitários: Fernando Ferreira von Sperling, Victor
Tadeu Antunes Araújo, Artur
Alencar Ferreira de Melo, Mauro
Coelho de Souza e Thiago Barroso Marnet, todos com 19 anos, e
mais dois adolescentes de 17.
Brasília dá o exemplo da vergonha nacional: a impunidade, a
injustiça de classe. "A forma de
que a ameaçadora barbárie se reveste hoje", diz Adorno, "é a de,
em nome da autoridade, em nome de poderes estabelecidos, praticarem-se (...) atos que anunciam, conforme sua própria configuração, a deformidade, o impulso destrutivo e a essência mutilada da maioria das pessoas."
O outro lado da moeda da vergonha nacional é a Febem de São
Paulo, que vai de novo ser condenada como instituição no estrangeiro -por maus-tratos e violações de direitos de internos. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos, da
qual o Brasil é membro) considerou falido o Estado de São Paulo,
sua Justiça e demais autoridades,
para administrar a Febem.
Os quase dez anos de governo
peessedebista em São Paulo
transformaram a Febem (Fundação para o Bem-Estar do Menor)
em um açougue onde se trituram
os filhos infratores da gente pobre.
Adolescentes vivem ali uma rotina de privação, humilhação, espancamento e abuso. Em nome
da "segurança pública", o Tribunal de Justiça de SP tem derrubado todas as ações civis públicas
apresentadas pelo Ministério Público paulista pedindo melhorias
nas unidades de internação.
Era preciso que os rapazes de
Brasília experimentassem um dia
na vida da Febem paulista
-quem sabe se envergonhariam
para sempre de seus crimes, da
falta de objetivos humanos em
seu comportamento brutal.
E-mail - mfelinto@uol.com.br
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