São Paulo, terça-feira, 05 de novembro de 2002

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SAÚDE

Em Manaus, agentes transformaram banheiro em posto de atendimento; descentralização piorou combate à doença

Improviso marca ação antimalária no AM

Alberto Cesar Araújo/Folha Imagem
Banheiro em centro de saúde no bairro João Paulo 2º, em Manaus; agentes tiveram de transformar o local em posto de atendimento


KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

Agentes de saúde da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) estão atuando em condições precárias no combate à malária no Amazonas. Eles denunciam descaso do governo estadual após a descentralização das ações contra a doença, que eram atribuição do governo federal.
Os "sem-postos de saúde", como estão sendo chamados os agentes, passaram a trabalhar em casas alugadas com dinheiro do próprio bolso ou doadas por moradores. Três deles atendem a população em um banheiro.
A descentralização foi uma das estratégias do Programa de Intensificação do Ministério da Saúde para reduzir os casos de malária nas populações da Amazônia. Com a mudança, o Estado herdou da Funasa 565 servidores e mais equipamentos.
Em Manaus, a Agência Folha encontrou agentes de saúde trabalhando em condições precárias nos bairros João Paulo 2º, Grande Vitória (na zona leste), União da Vitória, Tarumã e Santa Elevina (na zona norte).

Banheiro
Há um ano, o agente de saúde Orlando Hernandez, 65, trabalha dentro de um banheiro, que seria para deficientes, mas foi improvisado pelo governo estadual como "posto de atendimento" no Centro de Referência da Zona Leste, no bairro João Paulo 2º.
Num espaço de oito metros quadrados, Hernandez divide o atendimento à população com dois colegas. Eles fazem coleta de sangue para exame de malária, notificam os casos positivos e monitoram a endemia na região.
Sem ar-condicionado, Hernandez comprou um ventilador por R$ 20 para reduzir o calor no local. O vaso sanitário, quando fechado, serve de suporte para guardar caixas de remédios. A pia se transformou numa bancada, onde os agentes colocam materiais como corantes e provetas para realização de testes da doença.
Por dia, os agentes atendem no local algo em torno de 15 pessoas. Eles também fazem uma média de 30 testes com lâminas trazidas por outros funcionários que fazem buscas nas casas do bairro.
Alguns pacientes, como Terezinha Ribeiro, 54, nem se importam em tratar da saúde no banheiro. "Estou com muita dor. Se não viesse aqui, teria de andar muito para encontrar um posto."

Improviso
Hernandez reclama de discriminação. "Eu trabalho dentro de um banheiro, quer coisa pior? Sinto-me discriminado como agente de saúde, pois tenho 41 anos de serviço pela Funasa. Será que só porque trabalhamos com a pobreza não merecemos respeito das autoridades?"
No bairro Grande Vitória, um morador doou uma pequena casa para os atendimentos depois de se sensibilizar com o problema dos agentes.
No bairro União da Vitória, os servidores invadiram um terreno e construíram uma casa, que serve como posto, laboratório, almoxarifado e cozinha. A microscopista Lunieres Moraes, 23, é quem prepara a comida para os colegas.

Promessa
Com dinheiro do próprio bolso, os agentes do bairro do Tarumã alugaram uma casa de alvenaria por R$ 100, para atender cerca de 80 pessoas por dia. O bairro está localizado numa área de grande incidência de malária, onde vivem cerca de 8.000 famílias.
Na semana passada, quando a notícia do aluguel veio à tona por meio do Sindicato dos Servidores Públicos Federais, o secretário-executivo da Susam (Secretaria da Saúde do Amazonas), Orestes Guimarães, determinou o fechamento do posto e anunciou que em 30 dias resolveria o problema.


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