São Paulo, sábado, 5 de dezembro de 1998

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DATA VENIA

Limites da menoridade

GUIDO ARTURO PALOMBA

Hoje, juridicamente, um indivíduo com 17 anos, 11 meses e 29 dias, ao cometer um crime, por mais hediondo que seja, por ser menor de idade, é dado como inimputável - ou seja, é absolvido por força da lei (art. 27 do Código Penal). Se esse indivíduo praticasse o mesmo crime um dia depois, com 18 anos, sofreria consequências jurídicas completamente diferentes, podendo resultar em condenação e pena de reclusão por longo tempo. Por esse e outros motivos, discutem-se os limites da menoridade: 18, 16 ou 14 anos?
Em verdade, tanto faz. Seja qual for o número escolhido, o erro permanecerá; sempre estaremos passando da inimputabilidade para a imputabilidade, do nada para o tudo, da absolvição para a condenação, do irresponsável para o responsável, num maniqueísmo que agride frontalmente as leis da natureza e da vida.
Na natureza nada dá saltos. Por isso, é preciso que os juristas que estão a reformar os nossos códigos Penal e Civil acolham a zona fronteiriça da semi-imputabilidade e da incapacidade civil relativa, fazendo-as constar, respectivamente, dos nossos diplomas legais.
Do ponto de vista psiquiátrico-forense, é imprescindível a graduação legal para que se respeitem os momentos biopsicológicos do desenvolvimento do ser humano. Ele se faz aos poucos, sem saltos bruscos, o que, traduzido em idade, pode ter os seguintes limites.
Do nascimento aos 12 anos é o período das aquisições mentais gerais. O cérebro não atingiu seu peso definitivo e os neurônios se maturam aos poucos. Corresponde, juridicamente, à inimputabilidade penal e à incapacidade civil.
Dos 13 aos 17 anos, quando ocorrem o espermatozóide no homem e a menarca na mulher, o cérebro ainda não está totalmente desenvolvido, embora já ofereça condições para, no meio social, o indivíduo formar seus próprios valores ético-morais e ter seus interesses particulares. Aqui cabem, juridicamente, a semi-imputabilidade penal e a incapacidade relativa para certos atos da vida civil.
A partir dos 18 anos, a pessoa já tem suas estruturas suficientemente desenvolvidas, biológica e psicologicamente; tem capacidade para entender o caráter jurídico, civil e/ou penal de um determinado ato e está apta para determinar de acordo com esse entendimento. Maioridade, imputabilidade penal e capacidade civil.
Ao adotarmos a zona fronteiriça na graduação da idade civil e penal, daremos grande salto qualitativo em matéria de direito. Salvo prova em contrário, não há país no mundo ocidental que adote esse desnecessário sistema progressivo de imputabilidade penal e de capacidade civil em face da idade.
A natureza mostra que não é exatamente quando termina a noite que começa o dia: há entre ambos a aurora, que começa com o sol a 18 graus abaixo da linha do horizonte, hora em que o céu assume um tom entre rosa e laranja.
Por analogia, entre a infância e o adequado controle das funções intelectuais e emocionais há a adolescência, dos 13 aos 18 anos. Ela dá à pessoa o "tom" psicológico entre irresponsabilidade e responsabilidade, estado fundamental que poderia ser contemplado nas leis que os homens fazem.


Guido Arturo Palomba, 50, psiquiatra forense, é vice-presidente da Associação Paulista de Medicina (APM).



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