São Paulo, sábado, 06 de janeiro de 2007

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WALTER CENEVIVA

Novo processo beneficia o credor

Juízes de primeiro grau estarão autorizados pela nova lei a "não receber" uma apelação

É LUGAR comum que o Judiciário brasileiro, em virtude do acúmulo de processos não julgados ao longo do tempo, descumpre sua primeira tarefa essencial: decidir questões, proferir sentenças, dar direito a quem o tenha. Não o fazendo ofende a Justiça, mais os princípios da razoável duração do processo e da eficiência (artigos 5º, LXXVIII e 37, da Constituição).
Trabalhar mais seria uma solução. A magistratura insiste, porém, em que se acha no limite de sua capacidade de trabalho. Defende como um dos caminhos para eliminar o déficit dos julgamentos represados, o de enfrentar em bloco o número de processos iguais, especialmente aqueles em que o Poder Público é parte devedora. Esse lado não empolga os legisladores, sempre prontos a defender interesses do Poder Executivo, na troca de favores e cargos, que as posses desta semana confirmaram.
Outro caminho aparece nas modificações do Código de Processo Civil, no ano passado. Foram, em maior número, a favor dos credores de pessoas físicas e jurídicas do direito privado. Uma dessas mudanças, porém, restringe o direito do devedor à ampla defesa e ao contraditório, ao lhe proibir recurso contra despacho de juiz de primeiro grau, ou seja de decisão que não seja sentença. A distinção entre ambas pode parecer fácil mas não é. Gastou-se muito papel e tinta, até para distinguir o que são despacho interlocutório, de expediente, de mero expediente e assim por diante.
Mesmo o leitor não habituado às questões jurídicas saberá dos riscos quando o despacho do juiz viole seu direito e o recurso for proibido. O que fará a vítima de injustiça? Juízes de primeiro grau (atuam nas varas de comarcas do Brasil) estarão autorizados pela nova lei a "não receber"
uma apelação. Ou seja, não mandarão processar o recurso, quando sua sentença, no entender deles, esteja em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, esgotando o processo na vara de origem. O estímulo para que os juízes fundamentem decisões em súmulas vinculantes é evidente.
A parte e seu advogado terão cuidado ante a possibilidade de, logo a seguir, começar a execução, a qual, em se tratando de quantia certa, facilitará expropriação de bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor. A partir de 20 de janeiro, quando a lei nova entra em vigor, a posição será muito mais dura para o devedor. A possibilidade de adjudicação do bem já existe, mas foi tornada mais grave, pois favorece o credor exeqüente (ele fica com o bem dado em garantia) ou pode favorecer credores concorrentes que hajam penhorado o mesmo bem. Há a possibilidade de adjudicação, pedida pelo cônjuge do devedor, de seus descendentes ou ascendentes.
A execução pela lei nova será mais rápida porque, discutidas o que a lei chama de "eventuais questões", o juiz mandará lavrar auto de adjudicação em favor de quem o pedir. Tudo sem falar nos bloqueios eletrônicos de contas bancárias que têm assustado muita gente. As mudanças das leis se contam às dezenas e são geralmente boas. A violência contra o devedor, porém, é inconstitucional. O leitor será feliz se não for atingido pelo que elas têm de pior: o arbítrio do magistrado a benefício exclusivo do credor.


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