|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
WALTER CENEVIVA
Novo processo beneficia o credor
Juízes de primeiro grau estarão autorizados pela nova lei a "não receber"
uma apelação
É LUGAR comum que o Judiciário brasileiro, em virtude do
acúmulo de processos não
julgados ao longo do tempo, descumpre sua primeira tarefa essencial: decidir questões, proferir sentenças, dar direito a quem o tenha.
Não o fazendo ofende a Justiça, mais
os princípios da razoável duração do
processo e da eficiência (artigos 5º,
LXXVIII e 37, da Constituição).
Trabalhar mais seria uma solução.
A magistratura insiste, porém, em
que se acha no limite de sua capacidade de trabalho. Defende como um
dos caminhos para eliminar o déficit
dos julgamentos represados, o de
enfrentar em bloco o número de
processos iguais, especialmente
aqueles em que o Poder Público é
parte devedora. Esse lado não empolga os legisladores, sempre prontos a defender interesses do Poder
Executivo, na troca de favores e cargos, que as posses desta semana
confirmaram.
Outro caminho aparece nas modificações do Código de Processo Civil, no ano passado. Foram, em
maior número, a favor dos credores
de pessoas físicas e jurídicas do direito privado. Uma dessas mudanças, porém, restringe o direito do devedor à ampla defesa e ao contraditório, ao lhe proibir recurso contra
despacho de juiz de primeiro grau,
ou seja de decisão que não seja sentença. A distinção entre ambas pode
parecer fácil mas não é. Gastou-se
muito papel e tinta, até para distinguir o que são despacho interlocutório, de expediente, de mero expediente e assim por diante.
Mesmo o leitor não habituado às
questões jurídicas saberá dos riscos
quando o despacho do juiz viole seu
direito e o recurso for proibido. O
que fará a vítima de injustiça? Juízes
de primeiro grau (atuam nas varas
de comarcas do Brasil) estarão autorizados pela nova lei a "não receber"
uma apelação. Ou seja, não mandarão processar o recurso, quando
sua sentença, no entender deles, esteja em conformidade com súmula
do Superior Tribunal de Justiça ou
do Supremo Tribunal Federal, esgotando o processo na vara de origem.
O estímulo para que os juízes fundamentem decisões em súmulas vinculantes é evidente.
A parte e seu advogado terão cuidado ante a possibilidade de, logo a
seguir, começar a execução, a qual,
em se tratando de quantia certa, facilitará expropriação de bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do
credor. A partir de 20 de janeiro,
quando a lei nova entra em vigor, a
posição será muito mais dura para o
devedor. A possibilidade de adjudicação do bem já existe, mas foi tornada mais grave, pois favorece o credor exeqüente (ele fica com o bem
dado em garantia) ou pode favorecer credores concorrentes que hajam penhorado o mesmo bem. Há a
possibilidade de adjudicação, pedida
pelo cônjuge do devedor, de seus
descendentes ou ascendentes.
A execução pela lei nova será mais
rápida porque, discutidas o que a lei
chama de "eventuais questões", o
juiz mandará lavrar auto de adjudicação em favor de quem o pedir. Tudo sem falar nos bloqueios eletrônicos de contas bancárias que têm assustado muita gente. As mudanças
das leis se contam às dezenas e são
geralmente boas. A violência contra
o devedor, porém, é inconstitucional. O leitor será feliz se não for atingido pelo que elas têm de pior: o arbítrio do magistrado a benefício exclusivo do credor.
Texto Anterior: Histórias: "Ouvi um estalo e o grito de socorro" Próximo Texto: Livros Jurídicos Índice
|