São Paulo, Sábado, 06 de Fevereiro de 1999
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DATA VENIA

Quebra de confiança

LUIZ EDSON FACHIN

As violentas variações cambiais ocorridas nos últimos dias estão afetando a base econômico-financeira dos contratos de prestações continuadas. Por ação ou omissão, o governo federal deu margem à alteração das circunstâncias, que, se acarretarem onerosidade excessiva para uma das partes, podem resultar em revisão ou resolução dos contratos indexados em dólar norte-americano.
Pactos podem ser revistos ou desfeitos. É que, no direito das obrigações e dos contratos, o comportamento jurídico revestido de boa-fé implica responsabilidade daquele que gera confiança no pacto e nas partes.
Mais que noção ética, é princípio jurídico a proteção da confiança, que conduz, dentro da relação jurídica, à igualação de cargas e, externamente, à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro coerente com as condições existentes à época da contratação. Se o contrato faz lei entre as partes, o equilíbrio do início da contratação. Se o contrato faz lei entre as partes, o equilíbrio do início da contratação deve ser mantido. É um postulado da justiça comutativa que vincula os contratantes e o próprio Estado.
A quebra da confiança é juridicamente protegida. Confiava-se no futuro, que se presentificou transformando em pesadelo o sonho da estabilidade. Por isso mesmo, com acerto, aquelas ações ou omissões estão passando pelo crivo do direito e do Judiciário.
O contratante de boa-fé tem direito à proteção contra o enriquecimento sem causa. Não há regra nem princípio jurídico que tutele a vantagem exagerada dos credores, e aos que se mantiveram na fidelidade contratual não se pode causar agora uma lesão enorme. Os contratos devem se manter, na sua execução, aptos a alcançar sua finalidade, o que não ocorrerá em casos de pagamento manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. O credor não tem o direito potestativo de fazer exigências incompatíveis com os fins que deram causa ao contrato.
Ao cair a pele de cordeiro, o lobo colocou a nação de joelhos e afetou milhares de cidadãos e consumidores, pessoas físicas e jurídicas, empresas e atividades que foram tomadas pelo sobressalto. Todavia não passarão incólumes as variações cambiais que ferem, às vezes de morte, a base dos contratos de trato sucessivo. E não conte a arbitrariedade econômica com suposta cegueira da cidadania.
O país será reposto em pé. Para tal missão está sendo chamada à colação a atuação forense, e poderão ser precisamente os operários do direito, em geral, e os magistrados, em especial, aqueles que irão restaurar a confiança e o equilíbrio nas relações jurídicas.


Luiz Edson Fachin, 40, doutor em direito pela PUC-SP, é professor de direito civil da Universidade Federal do Paraná. Foi procurador-geral do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no governo Sarney.


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