|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DATA VENIA
Quebra de confiança
LUIZ EDSON FACHIN
As violentas variações cambiais
ocorridas nos últimos dias estão
afetando a base econômico-financeira dos contratos de prestações
continuadas. Por ação ou omissão,
o governo federal deu margem à
alteração das circunstâncias, que,
se acarretarem onerosidade excessiva para uma das partes, podem
resultar em revisão ou resolução
dos contratos indexados em dólar
norte-americano.
Pactos podem ser revistos ou
desfeitos. É que, no direito das
obrigações e dos contratos, o comportamento jurídico revestido de
boa-fé implica responsabilidade
daquele que gera confiança no
pacto e nas partes.
Mais que noção ética, é princípio
jurídico a proteção da confiança,
que conduz, dentro da relação jurídica, à igualação de cargas e, externamente, à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro coerente com as condições existentes
à época da contratação. Se o contrato faz lei entre as partes, o equilíbrio do início da contratação. Se o
contrato faz lei entre as partes, o
equilíbrio do início da contratação
deve ser mantido. É um postulado
da justiça comutativa que vincula
os contratantes e o próprio Estado.
A quebra da confiança é juridicamente protegida. Confiava-se no
futuro, que se presentificou transformando em pesadelo o sonho da
estabilidade. Por isso mesmo, com
acerto, aquelas ações ou omissões
estão passando pelo crivo do direito e do Judiciário.
O contratante de boa-fé tem direito à proteção contra o enriquecimento sem causa. Não há regra
nem princípio jurídico que tutele a
vantagem exagerada dos credores,
e aos que se mantiveram na fidelidade contratual não se pode causar
agora uma lesão enorme. Os contratos devem se manter, na sua
execução, aptos a alcançar sua finalidade, o que não ocorrerá em
casos de pagamento manifestamente desproporcional ao valor da
prestação oposta. O credor não
tem o direito potestativo de fazer
exigências incompatíveis com os
fins que deram causa ao contrato.
Ao cair a pele de cordeiro, o lobo
colocou a nação de joelhos e afetou
milhares de cidadãos e consumidores, pessoas físicas e jurídicas,
empresas e atividades que foram
tomadas pelo sobressalto. Todavia
não passarão incólumes as variações cambiais que ferem, às vezes
de morte, a base dos contratos de
trato sucessivo. E não conte a arbitrariedade econômica com suposta cegueira da cidadania.
O país será reposto em pé. Para
tal missão está sendo chamada à
colação a atuação forense, e poderão ser precisamente os operários
do direito, em geral, e os magistrados, em especial, aqueles que irão
restaurar a confiança e o equilíbrio
nas relações jurídicas.
Luiz Edson Fachin, 40, doutor em direito pela
PUC-SP, é professor de direito civil da Universidade Federal do Paraná. Foi procurador-geral do
Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no governo Sarney.
Texto Anterior: Frente fria foi causa de tempestade imprevisível Próximo Texto: Letras jurídicas - Walter Ceneviva: A retirada das 30 mil Índice
|