São Paulo, sexta, 6 de março de 1998

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OPINIÃO
Saúde é coisa séria

ROBERTO GOUVEIA
Desde a Constituição de 88, o Sistema Único de Saúde é concebido como um sistema misto público, podendo contratar ou conveniar serviços privados. A Carta afirma que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Falar em parceria na área, desde então, não é coisa nova. De lá para cá, aprofundamos nossas definições de como o setor privado deverá participar da prestação de serviços.
O Estado de São Paulo foi o primeiro do país que, com a aprovação do Código de Saúde, em 1995, traçou a linha divisória entre parceria e promiscuidade na relação entre o público e o privado.
O SUS recorrerá à participação complementar privada quando a sua capacidade instalada for insuficiente para dar conta da demanda. Só participará a entidade que tiver serviços próprios de assistência à saúde e, portanto, agregar capacidade ao sistema. É vedada qualquer forma de transferência da execução ou gestão de serviços públicos a entidades privadas.
Parceria é uma relação na qual os dois parceiros devem auferir vantagens, em benefício do interesse maior da saúde da população. Como autor do código, é com muita preocupação que vejo o projeto enviado pelo governador à Assembléia, em que se pretende ceder a entidades privadas ("organizações sociais") prédios e recursos públicos, equipamentos e servidores, além de isenção fiscal.
A proposta se inspira na polêmica medida provisória do ministro Bresser Pereira. Em atraso em relação a alguns Estados, o PSDB de São Paulo, por meio de seus brilhantes ideólogos, conseguiu piorar os termos da proposta federal.
O Executivo paulista praticamente extinguiu o controle público do processo. O Conselho Estadual de Saúde, instância máxima de participação da comunidade no SUS, nem é citado. As OS são concebidas como entidades marcadamente privadas, mesmo sem fins lucrativos. Não se trata de espaço público não-estatal, e sim de uso privado do patrimônio público.
Só os secretários da Saúde e da Administração terão poder discricionário para, de forma unilateral, escolher qual será considerada OS para receber a concessão dos serviços públicos (flagrante afronta às constituições e às leis). O contrato de gestão será apresentado pela OS ao secretário, em vez de a iniciativa caber ao poder público. Garantiu-se ao máximo o interesse da entidade privada nascente.
Não somos contra parcerias nem temos uma visão estatizante, mas não compraremos gato por lebre. Queremos fazer valer os princípios da universalidade, equidade e integralidade dos serviços de saúde. Como veio, o projeto não passará. Estamos abertos ao debate. Vamos a ele, sem arroubos ideológicos ou subterfúgios.


Roberto Gouveia, 42, médico e sanitarista, é deputado estadual pelo PT de São Paulo



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