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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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SAÚDE EM RISCO

Burocracia impede que hospital Emílio Ribas esteja apto para vítimas de pneumonia asiática

País não tem como barrar supervírus

João Wainer/Folha Imagem
Médicas na área de UTI de doenças infecto-contagiosas do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo


AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Num cenário globalizado, onde pessoas dormem num continente e acordam em outro, não há cerco sanitário capaz de impedir a entrada de vírus e bactérias. "É impossível fechar um país. O importante é detectar rapidamente o doente e fazer a contenção da doença", diz Jarbas Barbosa, presidente da Funasa, Fundação Nacional de Saúde.
No caso da jornalista britânica, a primeira "provável" vítima da pneumonia asiática na América Latina, o sistema de vigilância contou especialmente com a sorte. Embora tenha se calado durante o vôo -se informasse os sintomas, a Vigilância Sanitária teria que esperar os passageiros na porta do avião, em São Paulo-, a jornalista procurou ajuda médica assim que desembarcou. Ficou isolada no Albert Einstein.
Pelas normas da OMS, seus vizinhos de assento deveriam ser localizados e mantidos em quarentena. Não foram. Até agora, nenhum passageiro do vôo 247 da British Airways, que trouxe a jornalista de Londres a São Paulo, se apresentou com sintomas.
"Nos últimos dois anos, recebemos dois casos de sarampo vindos do Japão", diz Barbosa. "Fizemos um bloqueio rápido e ninguém se contaminou."
Há dois anos, uma epidemia de poliomielite em Angola obrigou a monitoração de centenas de vôos. Nenhum caso chegou ao Brasil.
No ano passado, no norte do país, a Vigilância Sanitária montou uma rede de armadilhas para capturar aves migratórias que poderiam estar "entrando" com o vírus da Febre do Nilo.
A cidade de Nova York, vigiada por um dos maiores cercos sanitários, registrou várias mortes pela febre. No Brasil, ela não entrou.

Filtros e burocracia
Se surgissem novos casos da pneumonia asiática -conhecida como Sars, abreviação em inglês de síndrome respiratória aguda grave-, as vítimas não seriam atendidas no Instituto Emílio Ribas, referência para doenças infecto-contagiosas na América do Sul. É que até sexta-feira os seus 25 leitos de UTI estavam sem os filtros necessários para a renovação do ar para tratar casos graves de problemas respiratórios.
O caso revela o desafio de um país cuja vigilância, centros de pesquisas e hospitais de referência se igualam aos de países ricos, mas cuja máquina pode empacar na burocracia. A falta dos filtros, que perderam a validade por conta dos trâmites e que seriam trocados ontem, fez com que o Hospital São Paulo (da Universidade Federal de São Paulo) e o Hospital das Clínicas da Unicamp fossem eleitos para receber possíveis vítimas da pneumonia asiática.
A jornalista britânica optou pelo Albert Einstein, que também conta com quartos em que o ar contaminado não consegue sair e que tinha os filtros em dia.

"Estamos preparados"
"Ninguém sabe que doença vai bater à porta nem quantas vítimas vamos ter, mas estamos preparados", diz Vasco Pedroso de Lima, diretor do Emílio Ribas.
Mas os quartos com pressão negativa servem apenas para os primeiros casos da epidemia, lembra Lima. "Se a epidemia crescer, as pessoas serão atendidas em quartos isolados, seguindo parâmetros universais, com médicos e pacientes usando máscaras."
O instituto centenário já esteve sozinho diante das dezenas de epidemias que entraram ou se espalharam pelo país. No anos 70, "quando o hospital tinha 400 leitos, chegamos a ter mil crianças internadas, que disputavam metade de um colchão no chão", lembra Tuba Milstein Kuschnaroff, ex-diretora e professora de pós-graduação do Ribas.
O hospital já atendeu 40 mil casos de Aids e recebeu doentes de enfermidades de nomes tão assustadores como leishmaniose, peste, poliomielite, calabar, hantavírus e febre tifóide. Segundo Lima, o hospital precisaria hoje de 350 leitos (tem 226 ativados).
Há quartos usados como salas administrativas, e um ambulatório aberto no ano passado já não basta para toda a clientela. Um trabalho iniciado nos últimos anos levou médicos do instituto a treinar colegas de dezenas de outros hospitais.
Segundo médicos da instituição, quando a Secretaria de Estado da Saúde dividiu o "esqueleto" do prédio que seria o Instituto da Mulher entre as especialidades do Hospital das Clínicas, o Emílio Ribas ficou de fora. "Na verdade, toda aquela área pertencia ao hospital, financiado pelos paulistanos para atender casos de varíola e de febre tifóide ainda no final do século 19", diz Kuschnaroff.
Veterana de dezenas de epidemias, a médica diz que a ameaça para o país está aqui dentro mesmo, na dengue hemorrágica e na febre amarela urbana. "O turismo ecológico, com pessoas que viajam sem tomar a vacina, é sempre um risco", diz Daniel Lins Menucci, da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Caso descartado
Foi diagnosticado, na manhã de ontem, que o homem internado desde a última quinta-feira no Hospital São Paulo com sintomas da Sars tem, na verdade, o vírus influenza, causador da gripe.


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