UOL


São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DANUZA LEÃO

O ser humano não falha

O programa Fome Zero está dando tanta confusão que até eu, que não tenho nada com isso, vou me meter.
Fico pensando nos paupérrimos habitantes que vemos em fotos nos jornais, recebendo R$ 50 por mês. É pouco? Menos do que pouco: é pouquíssimo. Mas, para quem não tinha nada, já é alguma coisa.
Só que quem recebe R$ 50 para não fazer nada vai continuar não fazendo nada e não aprende a lição: que, para se tornar um cidadão de verdade, é preciso trabalhar.
Mas trabalhar em que, se em alguns desses municípios nem água existe? Imagino que, para furar um poço, sejam necessárias máquinas, mas mesmo assim algum trabalho humano deve ser preciso. Para receber esse dinheirinho, essas pessoas deveriam ter a obrigação de prestar algum serviço, tipo ajudar a furar o poço, organizar para que uma das mães tome conta das crianças enquanto as outras vão para a roça, plantar umas árvores (as que quiserem, do jeito que quiserem) nas cidades em que houver água ou onde passe um rio, varrer as ruas nas que sofrem da seca -enquanto a água não chega-, cuidar de um galinheiro (o que não é tão difícil assim) e outras coisas que não me ocorrem porque eu não trabalho no Fome Zero, mas que quem trabalha deve saber.
Assim começaria a se estabelecer o vínculo trabalho/remuneração, e como não vai dar para pagar um salário mínimo para cada pessoa, essa prestação de serviços poderia ser de algumas horas por dia.
Para quem vive na mais absoluta miséria, R$ 50 podem resolver muitos problemas; mas, como o ser humano não falha, o rico, o pobre e o miserável, suprindo suas necessidades e sabendo que no fim do mês o dinheiro vai pingar, não vão, jamais, fazer nenhum esforço para melhorar de vida. Nem sabem como, alguém tem que ensinar.
Fome Zero, sim, mas, como não estamos no Iraque, uma contrapartida para receber o dinheiro no final do mês. Diante de tanta miséria, pode parecer absurdo, mas o assistencialismo do governo está dando uma má lição a essas pessoas. Se sem precisar se mexer, no fim do mês, o dinheiro vai pingar, quem vai querer fazer alguma coisa?
Seria preciso que, em cada um desses municípios, houvesse alguém para ajudar a organizar. Em toda cidade pequena existe alguém que, mesmo sem ter estudado, tem iniciativa e conhece os que podem ajudar.
Eu às vezes me sinto ridícula falando de coisas que não conheço, mas, se um adolescente tiver a obrigação de zelar pela limpeza de algumas ruas da cidade -e plantar umas árvores e fizer um jardinzinho- para poder levar um dinheirinho para casa no final do mês, ele estará aprendendo muita coisa, além de se alimentar melhor. Na fazenda de qual político estão as máquinas que furaram os poços do deputado Inocêncio Oliveira?
No meu sonho -que é infinito-, as cidades do interior do Brasil poderiam transformar-se, cada uma com as suas características próprias, para não serem mais aquela imagem de desolação.
O Unicef não tem seus embaixadores? Pois o Fome Zero também pode ter os seus -que, aliás, não precisam ser do PT- escolhidos em cada cidade. Quantas pessoas que passam os dias sem ter o que fazer não gostariam de, orgulhosamente, ostentar esse título? O PT, que gosta tanto de uma reunião, poderia fazer uma grande, com a presença de Lula, para explicar o que pretende deles.
E, de quebra, começar a falar sobre o planejamento familiar, tema que nunca, jamais, em nenhum momento, foi mencionado pelos petistas, nem durante a campanha nem depois da eleição ganha.
Por que o tabu? Com todo o respeito, é a Santa Madre Igreja que não deixa? Mas ela também é contra a camisinha, e o governo botou uma campanha na rua incentivando o seu uso durante o Carnaval.
Não dá para entender.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


Texto Anterior: África e Ásia exportam epidemias
Próximo Texto: Há 50 anos
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.