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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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NARCOTRÁFICO

Simpósio ajudará médicos a lidar com dependentes; para especialista, preço da droga deve cair e atrair mais usuários

Heroína já preocupa psiquiatras brasileiros

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

A heroína já se tornou alvo dos profissionais que cuidam de dependência química no país. Entre os dias 15 e 18 de outubro, em Goiânia, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) promoverá um simpósio sobre a droga e outros derivados do ópio. A meta é capacitar melhor os médicos para o tratamento dos pacientes que se viciaram -ou irão se viciar- naquelas substâncias.
O encontro chama a atenção por lançar luz em um assunto que, durante as últimas décadas, não causou grandes inquietações. Considerada um dos mais perigosos entorpecentes, a heroína está ganhando espaço no Brasil há pelo menos dois anos.
O avanço ainda se revela lento, quase desprezível, se comparado com o das toneladas de cocaína. Mesmo assim, preocupa não só os médicos como os estudiosos do narcotráfico.
Domingo passado, a Polícia Federal apreendeu 14,7 kg de heroína no rio Solimões (AM). O carregamento, oriundo da Colômbia, tinha por destino o México. De lá, o Cartel de Jalisco o enviaria aos EUA e à Espanha.
Com a apreensão, sobe para 98,7 kg o montante da droga que a Polícia Federal flagrou desde janeiro de 2001. A quantidade supera muitíssimo a interceptada entre 1990 e 2000 -período em que apenas 13,7 kg de heroína caíram na malha fina da polícia.
Existe, portanto, um forte indício de que o país virou rota do entorpecente. "Não se trata de indício, não. É um fato", defende Walter Maierovitch, ex-secretário nacional antidrogas, que hoje preside o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais.
Ele explica que a Ásia e a Europa, principais mercados da heroína, compram especialmente a produção de Mianmar (ex-Birmânia), do Laos, do Afeganistão, do Vietnã e da Tailândia. Colômbia e México, que abraçaram o negócio no final da década de 90, abastecem sobretudo os EUA. Para tal, aproveitam os trajetos da cocaína, inclusive os que passam pelo Brasil.
"Acontece que, tanto os norte-americanos quanto os europeus começam a trocar a heroína por ecstasy e similares. Aquela é uma substância depressora, relaxa. Essas são psicoativas. Deixam o usuário desperto, permitindo-lhe dançar a noite inteira", prossegue Maierovitch. "Em consequência da nova moda, vai sobrar heroína no Primeiro Mundo. Quem receberá o refugo? O Terceiro, claro."
Eis, então, o perigo. Se atualmente o país funciona como mero corredor da heroína (a maior parte circula por aqui, mas não fica), poderá em breve se converter num consumidor. "Foi assim que se deu com a cocaína. Nos anos 80, servíamos de rota para o produto. Depois, acabamos nos transformando em mercado", lembra o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas.
Um levantamento de 2001, realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sinaliza que a oferta interna de heroína ainda se mostra pequena. A pesquisa escutou 8.589 pessoas em 107 cidades e constatou que 2,3% dos entrevistados utilizaram cocaína uma ou mais vezes na vida. Cerca de 7% usaram maconha. No entanto, somente 0,1% experimentou heroína.
A baixa oferta encarece a substância, que custa em torno de US$ 100 a grama. "À medida que o refugo dos EUA chegar, o preço baixará", aposta Maierovitch.
Embora tímido, o tráfico já se verifica entre os paulistanos. A polícia local prendeu, em junho de 2002, um empresário que negociava 10 gramas de heroína. Foi a primeira detenção do gênero em mais de uma década.
"No meu consultório de Pinheiros, tratei há pouco tempo de três dependentes. Todos se viciaram no Brasil, o que me surpreendeu. Clinico desde 1987 e via apenas casos de dependência adquirida fora do país", conta a psiquiatra Sandra Scivoletto, coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Álcool e Drogas da USP.
"Outros colegas dão testemunhos parecidos", afirma o também psiquiatra João Carlos Dias, que organiza o simpósio da ABP. "Daí o nosso interesse em discutir o tema." O evento terá como principal palestrante o médico americano Eric Strain, que leciona na Universidade Johns Hopkins.


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