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DIREITOS HUMANOS
Crime aconteceu em 1983, em Fortaleza; mulher acusa marido, que diz que disparo ocorreu em um assalto
Acusado de ter atirado nunca esteve preso
DA ENVIADA ESPECIAL
Dezoito anos depois de se divorciar, a farmacêutica aposentada Maria da Penha Maia Fernandes, 56, não lembra o dia exato em
que se casou e nem o cartório em
que a cerimônia ocorreu. "Apaguei da memória."
Maria da Penha rasgou as fotos
do ex-marido, o economista colombiano Marco Antônio Heredia Viveiros, a quem acusa de ter
tentado matá-la em 1983. Só sobrou o negativo de um "três por
quatro", guardado no fundo de
uma pilha de documentos. "É para um caso de necessidade".
O difícil para ela é esquecer a
violência a que foi submetida e
que a deixou paraplégica.
Segundo seu relato, no dia 29 de
maio de 1993, Heredia Viveiros a
atingiu nas costas com um tiro de
espingarda calibre 12, enquanto
ela dormia na residência da família, em Fortaleza.
Heredia Viveiros disse à polícia
que a família havia sido vítima de
um assalto, mas a versão não se
sustentou na delegacia nem na
Justiça. Ele foi condenado em dois
julgamentos, mas jamais passou
um dia preso.
A primeira condenação, a 15
anos de reclusão, ocorreu em 91.
Os advogados dele recorreram da
decisão, alegando que a sentença
foi baseada em fatos que não
constavam nos autos e que as perguntas que o juiz faz aos sete cidadãos que compõe o júri popular
estavam mal formuladas.
O Tribunal de Justiça do Ceará
concordou que os quesitos não
foram bem formulados e determinou novo julgamento, que só
ocorreu em 96. "Quando eles levaram cinco anos para refazer as
perguntas, eu deixei de acreditar
na Justiça", conta Maria da Penha.
A defesa de Heredia Viveiros
entrou com recurso, que ainda está tramitando, contra o segundo
julgamento.
A falta de punição efetiva fez
com que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
OEA condenasse o Brasil, pela
primeira vez, por um caso de violência doméstica.
Demora
"Aqui no Ceará processo não
tramita, é empurrado", diz Maria
da Penha, que mantém cópias
atualizadas com o resumo da tramitação do processo.
A aposentada relata que, em um
determinado momento, foi obrigada a apelar para uma amiga da
secretária do desembargador que
estava com a papelada. "Fizemos
um esforço danado, os funcionários do gabinete me ajudaram e o
processo andou."
O primeiro julgamento de Heredia Viveiros foi adiado duas vezes, e o segundo, três.
Maria da Penha acabou conhecendo o Cejil (Centro pela Justiça
e o Direito Internacional), a instituição que apresenta petições junto à comissão da OEA, depois de
haver publicado um livro que
conta sua história.
O casamento, que durou seis
anos, é muito mais uma história
de violência do que de amor. Maria da Penha e Heredia Viveiros se
conheceram na Universidade de
São Paulo, em 75, quando ambos
faziam mestrado.
Com o nascimento da primeira
filha, um ano depois, o casal mudou-se para Fortaleza, onde estava a família dela.
"Ele chegou aqui com outra atitude, virou um homem grosseiro", diz ela. Mas a situação tornou-se insuportável após o nascimento da segunda filha. "Ele me
proibia de atender as meninas
quando elas choravam de noite.
Ele levantava da cama e batia nas
crianças até elas pararem de chorar", afirma.
Até hoje Maria da Penha diz não
saber exatamente o que motivou
Heredia Viveiros a tentar matá-la.
"Eu suponho que ele não queria a
separação", diz ela. Após o nascimento da terceira filha, ela optou
pelo divórcio e sugeriu isso a ele.
"Eu ainda não acreditava que
ele pudesse me fazer mal", diz ela.
Logo após o tiro, Penha chegou a
acreditar que poderia realmente
ter sido vítima de um assalto.
Mas, pouco tempo depois, ela
conta que o então marido tentou
eletrocutá-la, obrigando-a a entrar num chuveiro elétrico com a
fiação totalmente comprometida.
"Violência doméstica é assim
mesmo. Vai crescendo, crescendo", diz Maria da Penha.
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