UOL


São Paulo, domingo, 06 de julho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DANUZA LEÃO

Coisas de mulher

Tem uma hora que, na vida a dois, tudo começa a incomodar. Por nada de muito importante, só as pequenas coisas.
Cada um tem suas manias, que no início são toleradas com a maior boa vontade (menos ir ao banheiro deixando a porta aberta), tudo em nome do amor. A tragédia é que elas se repetem, absolutamente iguais, todos os dias do mês, do ano, da vida.
Alguns maridos entram em casa dizendo sempre a mesma coisa, que pode ser de um "cheguei, amor" a um "estou morrendo de fome". Há uns que têm o hábito de passar o pãozinho na gema do ovo frito, outros que botam açúcar no café, mexem e provam com a colherzinha (e sempre caem umas duas gotas na gravata), os que acordam de muito bom humor, o que é quase insuportável, os que perdem os óculos e as chaves e ficam procurando pela casa, essas coisas e muitas mais.
No princípio é tudo lindo, mas um dia começa a pesar. São coisas sérias?
Não. Mas então? É apenas a coabitação que é sempre difícil, com namorado, marido, amiga, pai, mãe, filho e até com a faxineira, que só vem de 15 em 15 e canta enquanto limpa os vidros.
É difícil coabitar, e quanto menor o espaço e maior a falta de dinheiro, pior. Para os ricos é mais fácil: eles podem ter mais de uma sala, mais de uma televisão, mais de um telefone, mais de um computador, mais de um banheiro, mais de um carro e até podem viajar sós, o que acaba fazendo com que tenham vidas praticamente separadas -e mesmo assim às vezes não dá.
Os homens, em geral, só se separam por justa causa, isto é, quando já têm outra, enquanto as mulheres vivem se questionando, prestando atenção a detalhes que não deveriam ter importância mas que têm -para elas. Quando essas pequenas coisas começam a incomodar, a tendência é achar que o amor acabou, e nessa hora nenhuma pensa nas coisas boas que esse homem tem e que fizeram com que ela se apaixonasse. Não pensam e não querem nem lembrar, pois preferem imaginar como a vida poderia ser melhor sem ele, sem obrigações, sem rotina.
Aí começa: ou inventam voltar a estudar, ou fazem uma permanente ou passam a almoçar fora com amigas muito solteiras e muito disponíveis, o que é o início do chamado processo, que termina como já se sabe. Mas teria o amor acabado mesmo?
Só o tempo vai dizer. Pode ser que nos primeiros tempos ela fique muito feliz, mas que uma sexta-feira à noite, sem nada para fazer, ponha um CD de Chico, abra uma garrafa de vinho e fique pensando um pouco na vida, na passada e na presente, e que se lembre dele com alguma saudade. E por que não?
Seria bem bom estar tomando aquele mesmo vinho com ele, esparramados os dois num sofá, e brigando depois um pouco até decidirem se iam pedir um japonês ou uma pizza. Depois brigando um pouco mais para saber quem ia fazer o café, e ela se irritando quando ele pegasse a colherzinha, provasse e deixasse cair duas ou três gotas na camiseta. E depois mais uma briga; por que será que os homens são tão imprestáveis e não podem nem levar dois pratos para a cozinha, não é nem para lavar, só para a sala não ficar aquela zona?
Ela lembra com uma certa melancolia que não há nada melhor do que ter com quem se irritar e com quem brigar, só que agora é tarde.
E para não pensar resolve tirar o CD e ver um filme na TV.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br


Texto Anterior: Trânsito tira aluno de escola
Próximo Texto: Há 50 anos
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.