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Entrevista/José Carlos Pereira
Se fosse convento, Infraero não teria tantos processos
DA COLUNISTA DA FOLHA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Apesar de não dizer claramente que há ou havia corrupção na Infraero, J. Carlos Pereira deixou claro que acredita nessa hipótese.
"Cento e tantos processos no
tribunal de contas, na Controladoria Geral da União, no Ministério Público, na Polícia Federal... Se fosse um convento
bem organizado, com as freirinhas cantando de manhã, certamente não teria isso tudo",
disse na entrevista abaixo.
(ELIANE CANTANHÊDE e IURI DANTAS)
FOLHA - Por que o sistema aéreo
brasileiro implodiu a partir do acidente da Gol (setembro de 2006)?
JOSÉ CARLOS PEREIRA - O sistema
apresentava problemas havia
muito tempo, como falta de
controladores de vôo. A Aeronáutica reagiu à idéia de fazer
concurso para civis com receio
de que pudessem fazer greve e
parar o sistema. Era melhor ter
só militares, obedientes.
FOLHA - Os controladores dizem
que os equipamentos estão em
frangalhos. Para a Aeronáutica, o
sistema é um dos melhores do mundo e a culpa é dos controladores.
Quem tem razão?
PEREIRA - O conceito do sistema
brasileiro realmente é um dos
melhores do mundo. Mas, uma
coisa é você ter um belo software, outra é ter um hardware
atualizado. E manutenção.
Compramos equipamentos
fantásticos e, como me disse a
ministra Dilma [Rousseff]: "Temos um BMW, mas não conseguimos fazer a manutenção do
BMW". Isso é uma constante.
FOLHA - Por quê?
PEREIRA - Devo admitir, sim, que
existe uma cultura da estética.
É muito mais agradável, a qualquer autoridade ou político,
inaugurar um belo aeroporto.
Como é inaugurar uma pista? É
um bloco de cimento no chão.
Isso faz parte da cultura.
FOLHA - As panes tornaram-se freqüentes. O sr., como setores da Aeronáutica, acredita em sabotagem?
PEREIRA - Não. Antes do acidente da Gol, havia problemas
e eram resolvidos internamente. Mas realmente há algo suspeito, temos que concordar.
FOLHA - O sr. tinha informações sobre desvio de verbas da Infraero para campanhas políticas?
PEREIRA - Houve uma má distribuição de prioridades, com
mais investimento em terminais do que em operação. Com
relação a pagar dívida de campanha, sempre ouvi falar muito, viu? Mas estabeleci o seguinte conceito: não cheguem perto de mim. Mas cada diretor
tem uma autonomia grande. A
Infraero é enorme. Para campanha, não, nunca ouvi falar diretamente. Boato se fala, fala.
Mas sem comprovação. Porém,
se você examinar aquela quantidade imensa de processos no
TCU, alguma suspeição pode
ser levantada, sem dúvida.
FOLHA - O sr. tentou demitir algum
diretor?
PEREIRA - Não me atrevi nem
mesmo a ter vontade, seria uma
frustração. É como ver doce na
vitrine da confeitaria, ficar doido para comer, mas desistir
porque não tem dinheiro.
FOLHA - O doce proibido era alguma diretoria específica?
PEREIRA - Eu precisaria alterar
praticamente todas as diretorias. Não necessariamente o diretor, mas a estrutura e a forma
de trabalhar, a coordenação, as
fiscalizações, a auditoria. Foi
muito chocante assumir a empresa e receber do meu auditor
um livro dessa grossura com
todos os processos e irregularidades de que o tribunal nos
acusava. Estabeleci a meta de
tirar uma folha por dia. Um ano
e quatro meses depois, acho
que tirei apenas quatro ou cinco folhas. Mas, pelo menos, não
coloquei nenhuma.
FOLHA - O sr. diria que há ou havia
corrupção na Infraero?
PEREIRA - Não posso dizer isso,
mas posso dizer que cento e
tantos processos no tribunal de
contas, na CGU, no Ministério
Público, na Polícia Federal... Se
fosse um convento bem organizado, com as freirinhas cantando de manhã, certamente não
teria isso tudo.
FOLHA - Como estão as pistas?
PEREIRA - Foi muito difícil fazer
essa reforma em Congonhas.
Quando você diz que a pista
não pode funcionar molhada,
as empresas dizem: "O que é isso? pode sim, só um pouquinho
molhada não tem perigo nenhum". Não queriam ter prejuízo. Nenhum presidente de
empresa, nenhum diretor de
operações vai colocar em risco
seus passageiros, mas é a história do acostamento. Começa a
se aproximar e aí não tem área
de escape, pode ficar perigoso.
FOLHA - Mágoa na demissão?
PEREIRA - Sou "imagoável". Um
clamor popular exige um culpado, sempre tem que haver
um culpado. Alguém vai atacar
a Aeronáutica? A Anac, que é
imexível pela Constituição?
Quem sobrou? Quem era o lado
mais fraco? Eu. Minha cabeça
de milico sabe que, quando você ataca o adversário, ataca pelo lado mais fraco. E ali que você arrebenta com ele, estraçalha. Não tenho padrinho político, nem quero. Qual é o problema do padrinho político? Você acaba devendo, e ele vai cobrar.
FOLHA - O lado fraco é o sr. ou a Infraero?
PEREIRA - Estou falando de
mim. Agora, a Infraero tem
problemas... Tem que agir ali,
tem que demitir gente, tem que
fazer o que não pude fazer, não
pude mesmo. O menino, o Sérgio [Gaudenzi], está entrando
em definitivo, é o homem do
governo para ir até o fim.
FOLHA - O que o sr diz sobre a
Anac?
PEREIRA - Um dos problemas é
esse negócio de diretoria colegiada, que, me parece, eles resolveram na semana passada.
Não funciona. Imagina cinco
pessoas, todas com a mesma
autoridade sobre os mesmos
assuntos. Essas coisas não dão
certo, terminam em tragédia.
FOLHA - Literalmente?
PEREIRA - Metaforicamente.
FOLHA - E as indicações políticas, as
suspeitas de vínculos com as aéreas?
PEREIRA - Não posso dar nomes, mas, se eu fosse presidente de uma companhia aérea,
iria fazer tudo para ter gente
trabalhando para mim dentro
do aparato do Estado. Cabe ao
Estado se defender.
FOLHA - E ele se defende?
PEREIRA - É difícil julgar, mas
diria que é preciso mais rigor.
FOLHA - Qual o maior desafio do
ministro da Defesa?
PEREIRA - Criar de fato o Ministério da Defesa. As Forças Armadas precisam estar subordinadas ao poder civil no país.
FOLHA - Os superintendentes da
Infraero são indicação política?
PEREIRA - É como um médico
que vai operar seu cérebro e, na
hora da cirurgia, você descobre
que ele na verdade é um dermatologista indicado pelo senador fulano de tal.
FOLHA - Quais as causas do acidente do vôo 3054?
PEREIRA - Uma coisa que ocorre
muito em aviação é erro de
projeto num avião. Não é algo
gritante, mas um pequeno detalhe de projeto que em determinadas situações pode enganar o piloto. E digo uma coisa:
se um piloto foi enganado um
dia por isso, mais cedo ou mais
tarde um outro piloto vai ser
enganado do mesmo jeito. Meu
pensamento caminha para um
problema de projeto do avião
que induz a um erro de tripulação. Não é nem um erro, mas a
não-percepção da tripulação
do que está acontecendo.
FOLHA - E a manutenção?
PEREIRA - Quando você tem um
erro de projeto que induz a um
erro de piloto e soma a isso um
problema de manutenção, tudo
fica como o diabo gosta.
FOLHA - O grooving e a área de escape fizeram falta?
PEREIRA - O grooving não teve
nada a ver. Agora, área de escape... em Congonhas é impossível, não tem como. Ouvi o prefeito de São Paulo conversando
sobre fazer um porta-aviões
mesmo, com pilares imensas de
concreto na direção do Jabaquara, mais 400 metros. Agora
há escape lateral, como fizeram
os aviões da BRA e o Pantanal
na véspera do acidente. Nesse
caso uma área de escape na reta
não ia resolver o problema do
vôo da TAM, ele ia sair para a
lateral de qualquer maneira. E
são pouquíssimas as pistas no
Brasil e no mundo onde você
tem grandes áreas de escape
para se o avião sair da pista.
Esse acidente, dentro da tragédia, foi o melhor que poderia
acontecer. Se tivesse saído para
a esquerda violentamente, iria
entrar no terminal de passageiros, onde estavam por baixo
1.200 pessoas. Se tivesse 25
quilômetros por hora a mais,
passaria por cima daquele prédio da TAM Express. Já viu o
que tem ali atrás? Um prédio de
apartamentos.
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