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São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2003

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ABUSO POLICIAL

Após ficar 16 dias preso, inocente diz ter sido espancado por policiais para que confessasse participação na morte de Schincariol

Denúncia de agressão a garçom será apurada

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Luiz Antonio Guimarães Marrey, considerou graves as denúncias de prisão ilegal e agressões ao garçom Valdinei Sabino da Silva, 25, por policiais e designou promotores de Justiça de São Paulo e Itu para acompanhar o caso.
Silva foi libertado anteontem, depois de 16 dias na cadeia. Apontado como suspeito do assassinato do empresário José Nelson Schincariol, 60, o garçom disse a familiares e ao jornal "Diário de S. Paulo" que, no dia de sua prisão, em 19 de agosto, foi espancado por policiais do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) e por agentes da guarda municipal de Itu que invadiram a sua casa, na periferia do município (103 km de SP).
Ele teria levado uma "gravata", teria sido arrastado por policiais até o carro e levado para um local desconhecido. Nesse local, ele teria levado pancadas no estômago e uma arma teria sido apontada para sua cabeça para que confessasse o crime, que não cometeu, e delatasse os supostos comparsas. Só depois disso foi levado para o distrito policial.
O advogado do garçom, Paulo Cicolani, confirmou as declarações feitas por seu cliente. Cicolani disse que a família vai pedir indenização ao Estado, mas não definiu quando. Ele afirmou que ainda vai analisar o inquérito.
O promotor de Itu Waldevino de Oliveira, um dos designados pela Procuradoria Geral de Justiça para acompanhar o caso, disse que pediu ontem a instauração de um inquérito à Delegacia Seccional de Polícia de Sorocaba.
Promotores do Gecep (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial), de São Paulo, também vão acompanhar o caso. Isso porque Silva ficou preso na cadeia pública de Itu e na carceragem do DHPP, que tem sede em São Paulo. Ele só foi solto quando a polícia prendeu outros quatro suspeitos, que confessaram o crime e negaram seu envolvimento.
O juiz de Itu José Fernando Azevedo Minhoto já tinha considerado ilegal a entrada dos policiais na casa do garçom, sem mandado judicial. Mas ele disse que, ao conversar com Silva na cadeia de Itu, no último dia 22, o garçom negou ter sido agredido.
O juiz afirma, porém, que ele pode ter escondido o espancamento porque ainda estava preso e temia represálias. De acordo com Minhoto, Silva até disse que o inchaço em um dos olhos era resultado de uma briga em um clube no final de semana anterior à sua prisão. Uma irmã do garçom disse desconhecer a ocorrência de tal briga.
Segundo Minhoto, dois exames de corpo de delito feitos no período em que o garçom estava preso não apontaram agressões. Um amigo de Silva afirmou que os golpes foram dados em algumas partes do corpo com o cuidado de não deixar marcas.
A assessoria da Secretaria da Segurança Pública informou que não iria falar sobre um caso cuja "apuração está em andamento e que está em sigilo". A Corregedoria da Polícia Civil já abriu, segundo a secretaria, uma investigação preliminar a partir das denúncias de familiares do garçom.

Ouvidoria
O ouvidor das polícias, Itajiba Farias Ferreira Cravo, chegou a citar Cesare Beccaria (1738-1794), que, no século 18, já condenava a tortura como método de investigação de um crime.
A obra mais famosa do autor é "Dos Delitos e das Penas", na qual o autor destaca que não pode ser considerado crime o que não está previsto em lei. Para Ferreira Cravo, "o direito está voltando para trás". O ouvidor disse que "investigará a parte que cabe à polícia".
Ele criticou "a celeridade com que se apuram determinados crimes e a demora com que são investigados outros".
De acordo com o ouvidor, somente neste ano, foram expulsos da Polícia Civil 179 pessoas, acusadas de várias irregularidades. A Ouvidoria também recebeu, de janeiro até ontem, 36 denúncias de espancamentos e torturas. No ano passado, no mesmo período, foram 52 denúncias.


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