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São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

Sete de Setembro entre a globalização e a soberania

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Em 7 de setembro de 1822, o Brasil não alcançou a independência plena, pois continuou a lhe faltar a independência econômica, a produção dos meios e equipamentos para seu dia-a-dia e até o controle eficaz sobre todo o território. A independência política apenas livrou o país da administração portuguesa. De todo modo, porém, o Brasil impôs sua própria soberania há 181 anos.
A palavra soberania aparece várias vezes na Constituição e encontra, no artigo 1º, seu significado predominante. Um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a soberania corresponde ao poder de decidir seu destino, de determinar leis que o governem e de impor o cumprimento das decisões de seu Poder Judiciário. O inciso LXXI do artigo 5º dramatizaria a acepção, se não fosse inócuo. É relativo ao mandado de injunção, aplicável quando a falta de lei inviabilize direitos e prerrogativas em cujo rol está a soberania. Essa palavra ora é usada com o adjetivo nacional, ora isoladamente. Vem na primeira forma no artigo 17, para impor aos partidos políticos a fidelidade à soberania nacional; no artigo 91, quando trata das funções do Conselho de Defesa Nacional, e no artigo 170, ao ligar ordem econômica a princípios que reforçam a soberania nacional. Exemplo curioso está na proibição de remover índios para fora de suas terras, salvo se houver riscos graves para a "soberania do país". O artigo 5º, no inciso XXXVIII, muda o sentido ao reconhecer a soberania do veredicto do júri como expressão final do julgamento por cidadãos comuns.
Independentemente das variáveis aceitas pelos intérpretes da lei, o significado de soberania, nesta era da globalização, sofreu mudanças, que não podem, contudo, sacrificar sua própria essência. O Estado soberano, apto a não aceitar a intervenção estrangeira e a conduzir o julgamento dos processos alusivos aos que nele habitem ou se encontrem, deve resguardar tal condição. A pergunta óbvia do leitor: diante da força militar e econômica da superpotência, isso ainda é possível?
Digo que sim. A soberania não é só questão de força. É matéria de caráter nacional, de convicção, de certeza dos próprios valores. O ideal firme pode não ser suportado pela força, mas deve até mesmo resguardar os governados contra atos dos governantes que, sob desculpa de interesses econômicos (veja-se a Colômbia) ou de política de boa vizinhança (veja-se o México), suportam ações restritivas de sua soberania. "Sovereignty", diz o clássico dicionário "Webster", é "supreme and independent political authority: as state sovereignty". Nessa concepção, a existência da nação, enquanto tal, corresponde a dispor de autoridade suprema e independente sobre seus próprios negócios. É a razão pela qual a Constituição brasileira considera crime de responsabilidade do presidente da República a prática de ato que atente contra a existência da nação.
Na era da globalização, a interdependência entre países limita a soberania em favor das nações ricas e detentoras de avanços tecnológicos. São novos mecanismos de dominação e controle negados às demais. Hoje, preservar a essência da soberania, nos moldes definidos pelo "Webster", está bem mais difícil que em 1822, mas continua sendo sagrado objetivo nacional.


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