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LETRAS JURÍDICAS
Sete de Setembro entre a globalização e a soberania
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Em 7 de setembro de 1822, o
Brasil não alcançou a independência plena, pois continuou
a lhe faltar a independência econômica, a produção dos meios e
equipamentos para seu dia-a-dia
e até o controle eficaz sobre todo o
território. A independência política apenas livrou o país da administração portuguesa. De todo
modo, porém, o Brasil impôs sua
própria soberania há 181 anos.
A palavra soberania aparece
várias vezes na Constituição e encontra, no artigo 1º, seu significado predominante. Um dos fundamentos da República Federativa
do Brasil, a soberania corresponde ao poder de decidir seu destino, de determinar leis que o governem e de impor o cumprimento das decisões de seu Poder Judiciário. O inciso LXXI do artigo 5º
dramatizaria a acepção, se não
fosse inócuo. É relativo ao mandado de injunção, aplicável
quando a falta de lei inviabilize
direitos e prerrogativas em cujo
rol está a soberania. Essa palavra
ora é usada com o adjetivo nacional, ora isoladamente. Vem na
primeira forma no artigo 17, para
impor aos partidos políticos a fidelidade à soberania nacional; no
artigo 91, quando trata das funções do Conselho de Defesa Nacional, e no artigo 170, ao ligar ordem econômica a princípios que
reforçam a soberania nacional.
Exemplo curioso está na proibição de remover índios para fora
de suas terras, salvo se houver riscos graves para a "soberania do
país". O artigo 5º, no inciso
XXXVIII, muda o sentido ao reconhecer a soberania do veredicto
do júri como expressão final do
julgamento por cidadãos comuns.
Independentemente das variáveis aceitas pelos intérpretes da
lei, o significado de soberania,
nesta era da globalização, sofreu
mudanças, que não podem, contudo, sacrificar sua própria essência. O Estado soberano, apto a
não aceitar a intervenção estrangeira e a conduzir o julgamento
dos processos alusivos aos que nele habitem ou se encontrem, deve
resguardar tal condição. A pergunta óbvia do leitor: diante da
força militar e econômica da superpotência, isso ainda é possível?
Digo que sim. A soberania não é
só questão de força. É matéria de
caráter nacional, de convicção, de
certeza dos próprios valores. O
ideal firme pode não ser suportado pela força, mas deve até mesmo resguardar os governados
contra atos dos governantes que,
sob desculpa de interesses econômicos (veja-se a Colômbia) ou de
política de boa vizinhança (veja-se o México), suportam ações restritivas de sua soberania. "Sovereignty", diz o clássico dicionário
"Webster", é "supreme and independent political authority: as
state sovereignty". Nessa concepção, a existência da nação, enquanto tal, corresponde a dispor
de autoridade suprema e independente sobre seus próprios negócios. É a razão pela qual a
Constituição brasileira considera
crime de responsabilidade do presidente da República a prática de
ato que atente contra a existência
da nação.
Na era da globalização, a interdependência entre países limita a
soberania em favor das nações ricas e detentoras de avanços tecnológicos. São novos mecanismos
de dominação e controle negados
às demais. Hoje, preservar a essência da soberania, nos moldes
definidos pelo "Webster", está
bem mais difícil que em 1822, mas
continua sendo sagrado objetivo
nacional.
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