São Paulo, domingo, 06 de setembro de 2009

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Lado "nobre" convive com a Heliópolis miserável

Favela conhecida por ações sociais tem bolsão mais pobre

DA REPORTAGEM LOCAL

O prédio do projeto Baccarelli, na estrada das Lágrimas, a mesma em que Ana Cristina de Macedo morreu, parece meio fora do esquadro. As salas não têm ângulos retos.
Longe de ser reflexo de construção precária (como na maioria das casas em volta), a esquisitice traduz sofisticação acústica. É para dificultar o eco. Ali funciona uma escola de música e uma orquestra que atendem 500 alunos de pele morena, na maioria moradores da favela.
A menos de 2 km dos estudantes de música orgulhosos de seus instrumentos, no posto de saúde de um dos núcleos de Heliópolis, a responsável faz o inventário dos problemas mais frequentes, típicos da pobreza extrema: hanseníase, tuberculose, pneumonia, lombriga, mordida de ratos. "Há pouco, tivemos de tratar uma necrose do dedão do pé de uma senhora, causada por mordida de rato", disse ela.
Os contrastes de Heliópolis replicam-se nas construções. O arquiteto Ruy Ohtake projetou o prédio da Escola Técnica recém-inaugurada. É um edifício alegre, cheio de curvas, colorido. Fica ao lado de duas creches, colado no Baccarelli, perto da quadra da Unas, a associação de moradores.
No entorno, o auxiliar de serviços gerais Antonio Augusto de Freitas, 38, acaba de colocar a quarta laje sobre sua casa.
A obra tem 2,5 metros de profundidade por 2 metros de frente. Dá 5 metros quadrados no chão. Mas Freitas já tem netos (um de três meses e outro de um ano), em uma família que hoje reúne 12 pessoas. O jeito foi construir em cima.

Móveis içados
Em toda Heliópolis veem-se predinhos sem reboco como o de Freitas multiplicando-se -tanto nas ruas pavimentadas pela prefeitura, quanto nas vielas estreitas, cimentadas com material comprado pelos próprios moradores.
O interior às vezes é tão exíguo que os móveis têm de ser içados para as lajes antes de finalizada a parede -ou não passam pelas escadas em caracol.
Na casa de Jonatan Xavier Dias é assim. Mas tem móveis e uma geladeira recém-comprados. Levantamento feito pela prefeitura em 2006 encontrou 20% da população de Heliópolis sem nenhuma renda -"Viviam de cestas básicas, de LeveLeite", explica João Miranda Neto, líder comunitário.
Jonatan fez um curso de segurança. Hoje tem carteira assinada e ganha R$ 850 por mês.
Nos quatro dias em que a Folha esteve na favela de Heliópolis, na semana passada, não foram vistos traficantes armados ou não. Na rua indicada por um agente policial como sendo ponto de venda de drogas via-se apenas o movimento nos bares e oficinas mecânicas.


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