|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Lado "nobre" convive com a Heliópolis miserável
Favela conhecida por ações sociais tem bolsão mais pobre
DA REPORTAGEM LOCAL
O prédio do projeto Baccarelli, na estrada das Lágrimas, a
mesma em que Ana Cristina de
Macedo morreu, parece meio
fora do esquadro. As salas não
têm ângulos retos.
Longe de ser reflexo de construção precária (como na maioria das casas em volta), a esquisitice traduz sofisticação acústica. É para dificultar o eco. Ali
funciona uma escola de música
e uma orquestra que atendem
500 alunos de pele morena, na
maioria moradores da favela.
A menos de 2 km dos estudantes de música orgulhosos de
seus instrumentos, no posto de
saúde de um dos núcleos de
Heliópolis, a responsável faz o
inventário dos problemas mais
frequentes, típicos da pobreza
extrema: hanseníase, tuberculose, pneumonia, lombriga,
mordida de ratos. "Há pouco,
tivemos de tratar uma necrose
do dedão do pé de uma senhora,
causada por mordida de rato",
disse ela.
Os contrastes de Heliópolis
replicam-se nas construções. O
arquiteto Ruy Ohtake projetou
o prédio da Escola Técnica recém-inaugurada. É um edifício
alegre, cheio de curvas, colorido. Fica ao lado de duas creches, colado no Baccarelli, perto da quadra da Unas, a associação de moradores.
No entorno, o auxiliar de serviços gerais Antonio Augusto
de Freitas, 38, acaba de colocar
a quarta laje sobre sua casa.
A obra tem 2,5 metros de
profundidade por 2 metros de
frente. Dá 5 metros quadrados
no chão. Mas Freitas já tem netos (um de três meses e outro
de um ano), em uma família
que hoje reúne 12 pessoas. O
jeito foi construir em cima.
Móveis içados
Em toda Heliópolis veem-se
predinhos sem reboco como o
de Freitas multiplicando-se
-tanto nas ruas pavimentadas
pela prefeitura, quanto nas vielas estreitas, cimentadas com
material comprado pelos próprios moradores.
O interior às vezes é tão exíguo que os móveis têm de ser
içados para as lajes antes de finalizada a parede -ou não passam pelas escadas em caracol.
Na casa de Jonatan Xavier
Dias é assim. Mas tem móveis e
uma geladeira recém-comprados. Levantamento feito pela
prefeitura em 2006 encontrou
20% da população de Heliópolis sem nenhuma renda -"Viviam de cestas básicas, de LeveLeite", explica João Miranda
Neto, líder comunitário.
Jonatan fez um curso de segurança. Hoje tem carteira assinada e ganha R$ 850 por mês.
Nos quatro dias em que a Folha esteve na favela de Heliópolis, na semana passada, não
foram vistos traficantes armados ou não. Na rua indicada por
um agente policial como sendo
ponto de venda de drogas via-se
apenas o movimento nos bares
e oficinas mecânicas.
Texto Anterior: Após confronto, Heliópolis pede tratamento melhor Próximo Texto: Danuza Leão: O gigolô leve Índice
|