São Paulo, domingo, 6 de setembro de 1998

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Gilberto Dimenstein
Virgens, Deus e os safados

Se você pudesse falar com Deus só uma vez o que pediria?
Essa pergunta foi lançada a indivíduos de 12 a 20 anos de cinco países da América Latina, entre eles o Brasil, numa investigação sobre valores e preconceitos concluída na sexta-feira passada.
Os brasileiros colocaram na frente melhorar a situação do país ( 37%).
Bem distante, em segundo lugar (17%) , "cuidar da saúde da família".
Em seguida, quase empatados, pedidos por uma "família mais unida" ( 15%) e "ajudar os mais pobres" ( 14%).
Apenas 9% usariam o contato derradeiro com Deus para ganhar na loteria.
Mais da metade, portanto, não trataria nesse hipotético encontro divino de problemas ou sonhos pessoais - gostariam ajudar sua comunidade.

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O despojamento, detectado no levantamento do Centro de Pesquisa Motivacional, é a chave para entender como essa camada da população vê os políticos.
Dificilmente poderia ser pior. Para 84% dos entrevistados, "político do meu país é safado".
É, obviamente, um exagero; indica preconceito e revela descolamento entre os cidadãos e a vida pública.
A semana que passou definitivamente não ajudou a desfazer o preconceito de que todo político faz qualquer coisa para ganhar eleição; e qualquer coisa para se manter no poder.

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A Folha revelou um plano clandestino, arquitetado por marqueteiros e empresários, para ajudar Fernando Henrique Cardoso.
A idéia é vender em anúncios comerciais mensagens com intuitos eleitorais insinuando otimismo fictício - serviria de antídoto à oposição que fabrica pessimismo.
Nada contra empresários apoiarem quem quiserem, mas cheira a suja manipulação esse tipo de artifício.
Até porque, com a evolução da crise financeira, é preciso ser, nesse momento, um tanto debilóide para falar em altro astral.

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Anunciado com pompas, o plano para o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso é, hoje, uma peça de ficção.
Mas os marqueteiros se esforçam em transformá-lo em algo sério para atrair votos.
Ninguém com um mínimo de sobriedade consegue estimar qual vai ser a taxa de crescimento da nação. Ou, inclusive, se vai ter crescimento.
Como prever, então, novos 7,5 milhões de empregos?
Defino, aqui, com uma única palavra: enganação.

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Essa enganação é generalizada. Vai de alto a baixo na campanha em todo o país.
O horário eleitoral, com as fantásticas promessas, é um pátio de milagres.
Paulo Maluf prometeu que, em seis meses, derruba pela metade a criminalidade em São Paulo.
Tal promessa só se nivela em credibilidade à sua comparação entre o conjunto de habitação Cingapura, realizado em sua gestão, com chalés suíços.
Seu principal rival, Francisco Rossi, continua sem prometer nada para não se comprometer. Mais uma modalidade de enganação.
Rossi dissemina a sensação de que, graças a um canal direto com Deus, conseguirá ser um grande administrador.

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Sem conseguir inverter até agora as pesquisas, Lula busca tirar proveito da crise financeira- uma crise que, na prática, significa menos emprego e mais miséria.
Há poucos meses, ele deixou claro como via no agravamento da crise seu grande cabo eleitoral.
Deixou escapar que, "graças a Deus", o desemprego não estava caindo. Depois, obviamente disse que não disse o que disse.
O PT quer passar a imagem de que, no poder, teria a saída para o crescimento econômico com estabilidade, em meio a investimentos maciços em saúde e educação.
Não é necessário ser matemático e notar que as contas são estapafúrdias.

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A enganação é, hoje, científica.
Os candidatos pagam fortunas para marqueteiros descobrirem o que o eleitor pensa ou sente.
Fazem de seus programas não um elenco de propostas viáveis, mas um espelho do sonhos ou ilusões.
Depois se incomodam que o eleitor não presta atenção ou, nas pesquisas, manda dizer que político é safado.
O que vemos, nos dias de hoje, é que entre o marketing e a safadeza os limites são tênues.

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Apesar da suspeita de que a bandalheira é generalizada, 91%
garantiram ter orgulho do país.
O que revela que a malandragem não conseguiu, por enquanto, abalar a confiança no Brasil.

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PS- Dado surpreendente revelado na pesquisa sobre como os jovens brasileiros encaram a virgindade.
Para 42% dos entrevistados, a mulher deve casar virgem - um tabu que se imaginava enterrado na década de 80.
Na Argentina, desce para 23%, enquanto no México 54%.



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