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LETRAS JURÍDICAS
Estado? Democrático? De Direito?
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
O artigo 1º da Constituição diz que o Brasil é uma
república federativa constituída
em Estado Democrático de Direito, grafado em maiúsculas. São
fundamentos da República brasileira soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político, reservado todo o poder ao povo, que
o exerce diretamente ou por seus
representantes.
Lendo o artigo 1º, ocorreu de me
perguntar se as eleições municipais corresponderam à definição
ali encontrada e como se deve
avaliar o futuro, com base no
mesmo pleito. Antes de ir à frente,
convém discutir os três termos envolvidos no título. Estado é uma
palavra provida de inúmeros significados. O dicionário "Aurélio"
traz 17 acepções principais e mais
umas 20 complementares, nas
quais a palavra estado (agora em
minúsculas) pode ser usada. No
que aqui nos interessa, Estado
(como nome próprio) corresponde ao povo que aceita um sistema
legal garantidor da ordem dentro
de território determinado por
fronteiras respeitadas, sobre o
qual tem e exerce soberania, submetendo os fatos que nele acontecem a seu Poder Judiciário. Pronto: resolvemos a primeira indagação. O Brasil é um Estado na
acepção moderna.
O segundo termo (Democrático) se relaciona mais diretamente
com as eleições. A essência democrática atribui à cidadania a livre
escolha e a substituição dos governantes sem distorção praticada
pelo poder dominante, por condições econômicas abusivas ou por
intromissão estrangeira. Desde
1985, viu-se aberta a possibilidade, pela liberdade democrática e
pela primeira vez na história, de
um líder operário, derrotado
mais de uma vez em pleitos anteriores, terminar presidente da
República.
A eleição de outubro mostrou
uma alteração de rumo. Do que
pude ler, só o ministro Tarso Genro (PT-RS), da Educação, a detectou ao ver no resultado o fim de
um período histórico do PT. Desde a retomada das liberdades públicas, depois da ditadura, a ininterrupta linha ascendente do Partido dos Trabalhadores colocou
nossa democracia, com a participação heterogênea de pobres e ricos, em nível superior ao da clássica democracia grega. Talvez
Tarso Genro, sendo gaúcho, tenha sido sensibilizado pela vitória de José Fogaça em Porto Alegre, mostrando uma das faces
mais características do pluralismo político-constitucional: as linhas ascendentes e descendentes
percorridas por candidatos e partidos, geradas pela liberdade do
voto. A mudança de rumo do petismo transformou a linha sempre ascendente do partido em
descendente ou, pelo menos, horizontal. No Estado democrático do
pluralismo político os partidos
são organismos vivos. Nascem,
crescem e, às vezes, se extinguem,
se fundem, fazem alianças. Nas
ditaduras, há um partido do governo e grupamentos contrários,
arrumados em partidos ou não. A
ditadura é o direito do forte, o que
nega, por definição, o direito de
todos.
Fiquemos no Direito (em
maiúsculas para integrá-lo à definição inicial), na democracia. Se
há palavra ajustável para todos
os usos, essa é "direito". Vem carregada de ambigüidade e de distorções. O ditador edita leis de sua
conveniência, asfixia opositores e
proclama estar cumprindo o direito vigente. O democrata vê na
lei, votada livremente, seu mecanismo básico. A contar dela, são
implementáveis condições para
preservar os valores enunciados
no artigo 1º da Carta Magna.
Com a força das leis e do voto. Estamos no bom caminho.
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