São Paulo, sábado, 06 de novembro de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

Estado? Democrático? De Direito?

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O artigo 1º da Constituição diz que o Brasil é uma república federativa constituída em Estado Democrático de Direito, grafado em maiúsculas. São fundamentos da República brasileira soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político, reservado todo o poder ao povo, que o exerce diretamente ou por seus representantes.
Lendo o artigo 1º, ocorreu de me perguntar se as eleições municipais corresponderam à definição ali encontrada e como se deve avaliar o futuro, com base no mesmo pleito. Antes de ir à frente, convém discutir os três termos envolvidos no título. Estado é uma palavra provida de inúmeros significados. O dicionário "Aurélio" traz 17 acepções principais e mais umas 20 complementares, nas quais a palavra estado (agora em minúsculas) pode ser usada. No que aqui nos interessa, Estado (como nome próprio) corresponde ao povo que aceita um sistema legal garantidor da ordem dentro de território determinado por fronteiras respeitadas, sobre o qual tem e exerce soberania, submetendo os fatos que nele acontecem a seu Poder Judiciário. Pronto: resolvemos a primeira indagação. O Brasil é um Estado na acepção moderna.
O segundo termo (Democrático) se relaciona mais diretamente com as eleições. A essência democrática atribui à cidadania a livre escolha e a substituição dos governantes sem distorção praticada pelo poder dominante, por condições econômicas abusivas ou por intromissão estrangeira. Desde 1985, viu-se aberta a possibilidade, pela liberdade democrática e pela primeira vez na história, de um líder operário, derrotado mais de uma vez em pleitos anteriores, terminar presidente da República.
A eleição de outubro mostrou uma alteração de rumo. Do que pude ler, só o ministro Tarso Genro (PT-RS), da Educação, a detectou ao ver no resultado o fim de um período histórico do PT. Desde a retomada das liberdades públicas, depois da ditadura, a ininterrupta linha ascendente do Partido dos Trabalhadores colocou nossa democracia, com a participação heterogênea de pobres e ricos, em nível superior ao da clássica democracia grega. Talvez Tarso Genro, sendo gaúcho, tenha sido sensibilizado pela vitória de José Fogaça em Porto Alegre, mostrando uma das faces mais características do pluralismo político-constitucional: as linhas ascendentes e descendentes percorridas por candidatos e partidos, geradas pela liberdade do voto. A mudança de rumo do petismo transformou a linha sempre ascendente do partido em descendente ou, pelo menos, horizontal. No Estado democrático do pluralismo político os partidos são organismos vivos. Nascem, crescem e, às vezes, se extinguem, se fundem, fazem alianças. Nas ditaduras, há um partido do governo e grupamentos contrários, arrumados em partidos ou não. A ditadura é o direito do forte, o que nega, por definição, o direito de todos.
Fiquemos no Direito (em maiúsculas para integrá-lo à definição inicial), na democracia. Se há palavra ajustável para todos os usos, essa é "direito". Vem carregada de ambigüidade e de distorções. O ditador edita leis de sua conveniência, asfixia opositores e proclama estar cumprindo o direito vigente. O democrata vê na lei, votada livremente, seu mecanismo básico. A contar dela, são implementáveis condições para preservar os valores enunciados no artigo 1º da Carta Magna. Com a força das leis e do voto. Estamos no bom caminho.


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