São Paulo, #!L#Segunda-feira, 07 de Fevereiro de 2000


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ACRE
Garotas brasileiras, boa parte menor de idade, só podem deixar o bordel boliviano se pagarem o que devem
Meninas se prostituem na Bolívia

Odair Leal/ Folha Imagem
Garotas brasileiras se exibem em casa de prostituição na cidade boliviana de Cobija, na fronteira do Brasil com o Estado do Acre


JAIRO MARQUES
da Agência Folha, na Bolívia

As garotas brasileiras Andréia, 14, Isla,15, Marcela,17, saíram de Rio Branco, no Acre, para serem garotas de programa em uma casa de prostituição em Cobija, na Bolívia, fronteira com o Brasil.
Assim como as três adolescentes, pelo menos 105 garotas de 11 municípios do Acre vivem da prostituição, segundo pesquisa realizada pelo governo daquele Estado.
As meninas estão vivendo em um local que funciona como night clube e motel e só oferece brasileiras. Quem está lá só sai quando acertar o que "deve" com a detentora do negócio, uma boliviana conhecida por "dona" Bete.
"Não aguento mais isso aqui. Estou morrendo de saudades da minha mãe. Isso não é vida", disse Andréia, uma loirinha de cabelos cacheados.
A casa de prostituição fica embrenhada no mato. Não fosse por uma placa com luzes de néon instalada na beira da estrada, o local passaria despercebido por quem trafega pela rodovia que leva ao povoado Vila Bucho.
Dez garotas brasileiras estavam trabalhando na casa na última sexta-feira. Três delas menores de idade. Nenhuma com mais de 25 anos. Todas de Rio Branco (a cerca de 240 km do local).
As garotas chegam ao prostíbulo de táxi. A corrida custa entre R$ 20 e R$ 30. É a primeira dívida que contraem com a dona do bordel. Elas também pagam alimentação, alojamento e outros objetos de uso pessoal, como o sabão que usam para lavar as roupas. Cada prato de comida custa R$ 3.
Isla não sabe direito quanto ganha. "A dona Bete diz que a gente precisa fazer três programas por noite para ganhar alguma coisa."
Ela disse que já conseguiu juntar um saldo. "Graças a Deus, só preciso trabalhar mais um pouco para pegar meu dinheiro e fugir daqui", declarou Isla, que pintou os cabelos de loiro e tem o corpo ainda em formação.

Postos policiais
Para chegar a Cobija, é preciso passar por postos das polícias brasileira e boliviana. A passagem por um pedágio de R$ 1 é obrigatória para quem pega o acesso à estrada que leva ao bordel.
A reportagem da Agência Folha foi rapidamente revistada no posto. Ao se despedir, o policial boliviano desejou "buena diverción".
Às 22h, horário local (0h horário de Brasília), o movimento da casa ainda é fraco. "O pessoal começa a chegar mais tarde. Às 2h, isso aqui vai estar lotado. A maioria é homem casado do Brasil que precisa primeiro deixar a mulher dormindo", afirmou Isla.
Há também clientes bolivianos e turistas estrangeiros.
Para os padrões bolivianos, o night clube é considerado um bordel de luxo. O pagamento pode ser feito em qualquer moeda: peso boliviano, dólar ou real. O lugar, de cerca de 200m2, tem mesas, uma espécie de camarote e um palco onde as meninas fazem show de striptease.
A música predominante é a sertaneja, do Brasil. O som só muda na hora dos shows ou quando um cliente boliviano pede uma antiga canção de seu país.
As meninas se apresentam e, quando escolhidas, devem tomar bebidas alcoólicas com os clientes. "A gente sempre pede Martini porque é mais leve, mas ontem eu tomei tanto que fiquei bêbada", disse Isla, que sonha casar e ser "advogada de direito".
"Não pode enrolar muito para acertar o programa. A dona Bete fica brava com a gente. Quando o cliente demora, a gente logo troca de mesa", afirmou Andréia, que também quer estudar direito.
O valor do programa varia conforme a barganha do cliente. O preço inicial é de R$ 75, mas pode cair para R$ 30. Se o programa durar mais de uma hora, as meninas são descontadas em R$ 100 reais, como multa.
No tempo livre, as garotas dormem e passam o dia nos mesmos aposentos onde trabalham.
Elas não tocam no dinheiro. O pagamento é feito com antecedência ao garçom. Se não quiser um programa, o cliente pode optar por um striptease particular. É feito na mesa, por R$ 20.
Segundo elas, às sextas, as garotas passam pela avaliação de um ginecologista e fazem exames médicos, inclusive o que detecta o vírus HIV. Pagam por isso R$ 50.


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