São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2004

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ENSINO SUPERIOR

Ministro diz que privatizar instituições federais não é a saída e quer criar vagas públicas em universidades privadas

Para Tarso, é preciso definir verba antes da reforma

LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Responsável pela condução da reforma universitária, o ministro da Educação, Tarso Genro, 56, considera uma "visão equivocada" o diagnóstico do Ministério da Fazenda de que o financiamento de instituições federais é uma forma de os mais ricos se apropriarem de grande fatia dos gastos públicos sociais.
Inspirado em análises do Banco Mundial, o documento "Gasto Social do Governo Central", divulgado pela Fazenda em novembro, diz que cerca de 46% dos recursos do governo para o ensino superior beneficiam os 10% mais ricos. Defende a expansão dos empréstimos em cursos privados.
Para Tarso, os alunos das federais "são produto da estrutura perversa e desigual" da sociedade. Diz que a privatização não é o caminho para corrigir a diferença, mas defende que haja vagas públicas em instituições privadas.
Advogado e ex-prefeito de Porto Alegre (RS), Tarso assumiu o ministério na última semana com a meta de finalizar a reforma universitária até o segundo semestre.
"O que adianta fazer uma proposta da mais bela reforma universitária do mundo sem dizer como ela é financiada?", questiona ele, em entrevista à Folha.

Folha - Na academia há críticas ao diagnóstico divulgado pela Fazenda. O sr. concorda com a posição do documento?
Tarso Genro -
Essa visão é rica e ajuda na elaboração da reforma universitária. Mas eu, particularmente, não concordo. O fato de a universidade pública ter um conjunto de setores sociais de renda mais elevada não depõe contra ela. Depõe contra a estrutura de classe da sociedade.
Os freqüentadores da universidade são produto dessa estrutura perversa e desigual. Para corrigir isso, não é privatizando a universidade. Trata-se de ter um processo de distribuição de renda que consiga colocar as pessoas em situação equiparada para disputar o ingresso na universidade.

Folha - O sr. diz que chegou a hora de projeto, não mais de argumentação. O que significa isso?
Tarso -
Argumentação doutrinária é um momento necessário de formação de qualquer juízo. Só que já existe. Agora é hora de transformar a doutrina em algo concreto. O que adianta fazer uma proposta da mais bela reforma universitária do mundo sem dizer como ela é financiada? Parece-me que esse tipo de proposta pode cair no vazio. Temos que estabelecer nexo entre elaboração doutrinária, proposta teórica e capacidade de ser implementada.

Folha - Isso é uma crítica ao ex-ministro Cristovam Buarque?
Tarso -
De maneira nenhuma. O primeiro ano de governo necessariamente tinha que ser de expansão da discussão teórica, doutrinária e da superposição de idéias, o que o Cristovam fez com propriedade. Eu faria o mesmo.

Folha - O sr. é a favor da cobrança de ex-alunos para financiar universidade pública?
Tarso -
Tenho dúvidas se isso resiste à análise do Supremo Tribunal Federal. De outra parte me pergunto se é justo um grupo restrito sustentar a universidade pública, que na verdade presta serviço e é fundamental para toda a sociedade. Isso quer dizer que devemos buscar outras formas de financiamento.

Folha - O sr. vai reformular o investimento nas federais?
Tarso -
Neste ano vamos cumprir rigorosamente o Orçamento e verificar com a Fazenda a melhor forma para cumpri-lo.

Folha - E para as particulares, haverá financiamento?
Tarso -
Nossa visão é criar vagas públicas em universidades privadas. É absolutamente inadmissível que tenhamos 37% das vagas não-ocupadas em instituições privadas. Temos uma pista de como fazer. Em dez a 15 dias teremos a proposta formatada.

Folha - Haverá aumento da fiscalização das filantrópicas?
Tarso -
Tem que aumentar. Buscaremos todos os meios para reduzir ao máximo as instituições caça-níqueis, que, na verdade, são grupos empresariais disfarçados e prestam ensino desqualificado.

Folha - O sr. modificará o sistema de avaliação do ensino superior, que está no Congresso?
Tarso -
O projeto de conversão está sendo negociado. Adotamos o critério de dar mais objetividade à aferição, sem que recaia exclusivamente sobre o aluno e, ao mesmo tempo, reduza o poder de arbítrio do administrador.

Folha - Como serão os critérios?
Tarso -
O Provão passa a ter outro caráter. Tem que ser feito por amostragem, usando metodologia científica.

Folha - O vestibular mudará?
Tarso -
Imagino um sistema que a médio e longo prazo acabe com o vestibular. Mas acho que a extinção imediata gera injustiça.

Folha - E as cotas para negros?
Tarso -
A política de cotas é justa e deve ser implementada, mas é também só o ponto de partida.


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