São Paulo, terça-feira, 07 de março de 2000


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Daniela promete manter polêmica

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial a Salvador

Está feito. A música eletrônica entrou na avenida da axé music, em dois trios elétricos, encomendada sob medida para alavancar pequena polêmica: o Carnaval baiano vai se descaracterizar?
Bem, a polêmica não existe. Se o trio elétrico jogou guitarra no frevo, se a tropicália manchou a MPB de rock and roll, se o axé transformou samba em picanha de churrascaria, o deste ano não foi mais que um novo capítulo de uma política de confrontos de que a Bahia costuma gostar.
Não gostou desta vez? Parece que não. O trio de house com Olodum e Ilê Aiyê só provocou a indiferença popular na quinta e na sexta, e à energética Daniela Mercury coube a parte mais difícil, no sábado -a das vaias.
Ela, porém, tomou vaia com sorrisos e altivez. Mas, ei, a vaia está de volta então à quitandinha nacional? Parece que sim, e essa foi uma das grandes vitórias de Daniela Mercury, aparente derrotada na odisséia de sábado.
A situação é complexa, resiste à compartimentação. Não há que camuflar um dom oportunista -a carreira da axé music, notadamente de seus precursores, como é o caso de Daniela, Olodum e Ilê Aiyê, vem em curva descendente, e não à toa no dia seguinte ao do "trio eletrônico" a cantora fez bonito ao unir seus esforços aos do pioneiro Ilê Aiyê, num espetáculo de raiz, muito além do plástico tosco da axé.
Mas tanto quanto oportunista - o lance é da mais funda coragem. Provavelmente ela não suspeitava a rejeição do mesmo público que já a aclamou à exaustão, mas ainda assim poucos enfrentariam o que ela enfrentou.
Sinal de derrota o resultado? Não, antes retrato de que pedra que rola não cria limo. Daniela é uma artista conservadora, quando não careta; é terrivelmente talentosa, mas se gasta no expressionismo de voz e no repertório quase sempre tolo, não raro de má qualidade (até "Fácil" e "Anna Júlia" ela cantou; aliás, de resto todo mundo cantou).
É música de Carnaval, e não importa que seja assim -funciona, e era até belo vê-la pulando Carnaval baiano, pulando axé, pulando "Carro Velho" como ignorando as bases eletrônicas por baixo.
O que acontece é que, inteligente, Daniela ousou desta vez a inversão. Ela vai deixando ver pelas frestas que o Carnaval a limita, poda seus dotes mais largos.
À artista compete uma missão espinhosa. Se, como parece, quer peitar a caretice, abrir suas asas, e não só reconquistar mercado e prestígio escapados, não há de ser tranquilo o conflito entre a cantora de Carnaval e a cantora brasileira. Se o rumo da fama fácil é o da morte súbita, é hora de ver que não se faz história sem trauma.


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