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Daniela promete manter polêmica
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial a Salvador
Está feito. A música eletrônica
entrou na avenida da axé music,
em dois trios elétricos, encomendada sob medida para alavancar
pequena polêmica: o Carnaval
baiano vai se descaracterizar?
Bem, a polêmica não existe. Se o
trio elétrico jogou guitarra no frevo, se a tropicália manchou a
MPB de rock and roll, se o axé
transformou samba em picanha
de churrascaria, o deste ano não
foi mais que um novo capítulo de
uma política de confrontos de que
a Bahia costuma gostar.
Não gostou desta vez? Parece
que não. O trio de house com Olodum e Ilê Aiyê só provocou a indiferença popular na quinta e na
sexta, e à energética Daniela Mercury coube a parte mais difícil, no
sábado -a das vaias.
Ela, porém, tomou vaia com
sorrisos e altivez. Mas, ei, a vaia
está de volta então à quitandinha
nacional? Parece que sim, e essa
foi uma das grandes vitórias de
Daniela Mercury, aparente derrotada na odisséia de sábado.
A situação é complexa, resiste à
compartimentação. Não há que
camuflar um dom oportunista
-a carreira da axé music, notadamente de seus precursores, como é o caso de Daniela, Olodum e
Ilê Aiyê, vem em curva descendente, e não à toa no dia seguinte
ao do "trio eletrônico" a cantora
fez bonito ao unir seus esforços
aos do pioneiro Ilê Aiyê, num espetáculo de raiz, muito além do
plástico tosco da axé.
Mas tanto quanto oportunista
- o lance é da mais funda coragem. Provavelmente ela não suspeitava a rejeição do mesmo público que já a aclamou à exaustão,
mas ainda assim poucos enfrentariam o que ela enfrentou.
Sinal de derrota o resultado?
Não, antes retrato de que pedra
que rola não cria limo. Daniela é
uma artista conservadora, quando não careta; é terrivelmente talentosa, mas se gasta no expressionismo de voz e no repertório
quase sempre tolo, não raro de
má qualidade (até "Fácil" e "Anna
Júlia" ela cantou; aliás, de resto todo mundo cantou).
É música de Carnaval, e não importa que seja assim -funciona,
e era até belo vê-la pulando Carnaval baiano, pulando axé, pulando "Carro Velho" como ignorando as bases eletrônicas por baixo.
O que acontece é que, inteligente, Daniela ousou desta vez a inversão. Ela vai deixando ver pelas
frestas que o Carnaval a limita,
poda seus dotes mais largos.
À artista compete uma missão
espinhosa. Se, como parece, quer
peitar a caretice, abrir suas asas, e
não só reconquistar mercado e
prestígio escapados, não há de ser
tranquilo o conflito entre a cantora de Carnaval e a cantora brasileira. Se o rumo da fama fácil é o
da morte súbita, é hora de ver que
não se faz história sem trauma.
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