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São Paulo, sexta-feira, 07 de março de 2003

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RETRATO DO BRASIL

Número médio de filhos chega a 5,3 quando a mãe é de família com renda per capita de até R$ 50

Pobres têm taxa de fecundidade "africana"

ANTÔNIO GOIS
SABRINA PETRY

DA SUCURSAL DO RIO

A taxa de fecundidade das brasileiras que vivem em famílias com rendimento per capita inferior a um quarto de salário mínimo (R$ 50) é 3,8 vezes maior do que a das mulheres de famílias com rendimento superior a cinco salários mínimos per capita (R$ 1.000).
Dados tabulados a pedido da Folha pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que, enquanto as brasileiras de maior renda têm, em média, 1,11 filho, entre as de menor renda essa taxa é de 5,30.
A análise do número médio de filhos por mulher nos dois extremos de renda pesquisados mostra que a sociedade convive com dois padrões distintos de fecundidade.
Enquanto as mulheres de maior renda têm um número médio de filhos inferior até mesmo ao de países europeus, que têm as menores taxas de fecundidade do mundo, as brasileiras mais pobres têm uma taxa média semelhante à de algumas nações africanas.
Quando se analisam apenas os dados do Estado de São Paulo, essa distância fica ainda mais evidente. Entre as mulheres de maior renda, a média de filhos é de apenas 1,01, enquanto a média das paulistas mais pobres é de 5,35.
A diferença é encontrada também quando se analisa a taxa de fecundidade de acordo com os anos de estudo. As brasileiras sem instrução ou que não completaram nem sequer a primeira série do ensino fundamental têm, em média, 4,12 filhos. Entre as que completaram pelo menos o ensino médio, essa taxa cai para 1,48.
Na avaliação de Juarez Castro Oliveira, técnico do IBGE especializado em fecundidade, a escolaridade influi mais no número de filhos do que a renda.
"O rendimento familiar per capita, sem dúvida, atua no sentido de estabelecer grandes diferenças. Mas é com o aumento da escolaridade feminina que são observados os maiores declínios relativos nas taxas", afirma.
Para Oliveira, tanto nos estratos de rendimento mais elevado quanto nas categorias mais altas de anos de estudo as taxas de fecundidade já se encontram em patamares muito baixos, seguindo o padrão europeu, ou seja, abaixo do nível de reposição das gerações. Esse nível é de 2,1 filhos por mulher, número que já leva em conta os efeitos da mortalidade na população.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha, taxas muito altas de fecundidade têm efeitos preocupantes, como a tendência de aumento da mortalidade infantil e de piora nas condições de vida de famílias com poucos recursos.
Para Ignez Helena Oliva Perpétuo, professora de demografia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), há falhas na aplicação dos programas de planejamento familiar no país. "O Brasil tem um dos melhores programas de planejamento familiar e de saúde da mulher do mundo, mas existem falhas na sua aplicação. A informação não chega da maneira como deveria à população mais carente", diz Perpétuo.
Ela diz que isso pode ser percebido nas pesquisas de opinião. "A última pesquisa de planejamento familiar feita pela Abep (Associação Brasileira de Estudos Educacionais), em 2000, mostrou que 88,4% das pessoas que ganhavam até um salário mínimo não queriam ter mais filhos e que, se pudessem voltar atrás, teriam tido no máximo dois filhos."
Apesar da necessidade de dar mais informação para a população mais pobre fazer seu planejamento familiar, Ana Amélia Camarano, coordenadora da área de População e Família do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), diz ter dúvidas se, no caso brasileiro, ainda se deve falar em campanhas.
Ela afirma que taxas de fecundidade muito baixas, como a das mulheres mais ricas no Brasil, são motivo de preocupação. "Alguns governos europeus estão gastando fortunas em campanhas pró-natalistas porque estão com a reposição populacional ameaçada."
Para a pesquisadora do Ipea, não faz sentido falar em taxa de fecundidade boa ou ruim. "A taxa de fecundidade alta ou baixa não é boa nem ruim. Isso depende de como a sociedade lida com isso. Uma taxa muito alta pode pressionar os recursos públicos, mas uma fecundidade muito baixa compromete a reprodução da sociedade. O meio-termo depende de cada sociedade", afirma.
No caso das famílias de maior renda no Brasil, mudanças no comportamento explicam as baixíssimas taxas de fecundidade. A valorização da carreira feminina no trabalho e o culto ao corpo, por exemplo, influenciam na decisão de ter menos filhos.
A combinação de uma baixa taxa de fecundidade das mulheres de maior renda com uma taxa ainda considerada alta das brasileiras mais pobres pode provocar também o aumento da concentração de renda. "Não é possível saber se isso acontecerá porque é preciso levar em conta a mobilidade social, mas, se não houver essa mobilidade, a tendência é a renda ficar cada vez mais concentrada", afirma Oliveira, do IBGE.


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