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RETRATO DO BRASIL
Número médio de filhos chega a 5,3 quando a mãe é de família com renda per capita de até R$ 50
Pobres têm taxa de fecundidade "africana"
ANTÔNIO GOIS
SABRINA PETRY
DA SUCURSAL DO RIO
A taxa de fecundidade das brasileiras que vivem em famílias com
rendimento per capita inferior a
um quarto de salário mínimo (R$
50) é 3,8 vezes maior do que a das
mulheres de famílias com rendimento superior a cinco salários
mínimos per capita (R$ 1.000).
Dados tabulados a pedido da
Folha pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
mostram que, enquanto as brasileiras de maior renda têm, em média, 1,11 filho, entre as de menor
renda essa taxa é de 5,30.
A análise do número médio de
filhos por mulher nos dois extremos de renda pesquisados mostra
que a sociedade convive com dois
padrões distintos de fecundidade.
Enquanto as mulheres de maior
renda têm um número médio de
filhos inferior até mesmo ao de
países europeus, que têm as menores taxas de fecundidade do
mundo, as brasileiras mais pobres
têm uma taxa média semelhante à
de algumas nações africanas.
Quando se analisam apenas os
dados do Estado de São Paulo, essa distância fica ainda mais evidente. Entre as mulheres de maior
renda, a média de filhos é de apenas 1,01, enquanto a média das
paulistas mais pobres é de 5,35.
A diferença é encontrada também quando se analisa a taxa de
fecundidade de acordo com os
anos de estudo. As brasileiras sem
instrução ou que não completaram nem sequer a primeira série
do ensino fundamental têm, em
média, 4,12 filhos. Entre as que
completaram pelo menos o ensino médio, essa taxa cai para 1,48.
Na avaliação de Juarez Castro
Oliveira, técnico do IBGE especializado em fecundidade, a escolaridade influi mais no número de filhos do que a renda.
"O rendimento familiar per capita, sem dúvida, atua no sentido
de estabelecer grandes diferenças.
Mas é com o aumento da escolaridade feminina que são observados os maiores declínios relativos
nas taxas", afirma.
Para Oliveira, tanto nos estratos
de rendimento mais elevado
quanto nas categorias mais altas
de anos de estudo as taxas de fecundidade já se encontram em
patamares muito baixos, seguindo o padrão europeu, ou seja,
abaixo do nível de reposição das
gerações. Esse nível é de 2,1 filhos
por mulher, número que já leva
em conta os efeitos da mortalidade na população.
Segundo especialistas ouvidos
pela Folha, taxas muito altas de
fecundidade têm efeitos preocupantes, como a tendência de aumento da mortalidade infantil e
de piora nas condições de vida de
famílias com poucos recursos.
Para Ignez Helena Oliva Perpétuo, professora de demografia da
UFMG (Universidade Federal de
Minas Gerais), há falhas na aplicação dos programas de planejamento familiar no país. "O Brasil
tem um dos melhores programas
de planejamento familiar e de
saúde da mulher do mundo, mas
existem falhas na sua aplicação. A
informação não chega da maneira
como deveria à população mais
carente", diz Perpétuo.
Ela diz que isso pode ser percebido nas pesquisas de opinião. "A
última pesquisa de planejamento
familiar feita pela Abep (Associação Brasileira de Estudos Educacionais), em 2000, mostrou que
88,4% das pessoas que ganhavam
até um salário mínimo não queriam ter mais filhos e que, se pudessem voltar atrás, teriam tido
no máximo dois filhos."
Apesar da necessidade de dar
mais informação para a população mais pobre fazer seu planejamento familiar, Ana Amélia Camarano, coordenadora da área de
População e Família do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada), diz ter dúvidas se, no
caso brasileiro, ainda se deve falar
em campanhas.
Ela afirma que taxas de fecundidade muito baixas, como a das
mulheres mais ricas no Brasil, são
motivo de preocupação. "Alguns
governos europeus estão gastando fortunas em campanhas pró-natalistas porque estão com a reposição populacional ameaçada."
Para a pesquisadora do Ipea,
não faz sentido falar em taxa de
fecundidade boa ou ruim. "A taxa
de fecundidade alta ou baixa não
é boa nem ruim. Isso depende de
como a sociedade lida com isso.
Uma taxa muito alta pode pressionar os recursos públicos, mas
uma fecundidade muito baixa
compromete a reprodução da sociedade. O meio-termo depende
de cada sociedade", afirma.
No caso das famílias de maior
renda no Brasil, mudanças no
comportamento explicam as baixíssimas taxas de fecundidade. A
valorização da carreira feminina
no trabalho e o culto ao corpo, por
exemplo, influenciam na decisão
de ter menos filhos.
A combinação de uma baixa taxa de fecundidade das mulheres
de maior renda com uma taxa
ainda considerada alta das brasileiras mais pobres pode provocar
também o aumento da concentração de renda. "Não é possível
saber se isso acontecerá porque é
preciso levar em conta a mobilidade social, mas, se não houver
essa mobilidade, a tendência é a
renda ficar cada vez mais concentrada", afirma Oliveira, do IBGE.
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