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BARBARA GANCIA
Urubus sempre rondam os menos afortunados
Maldita hora em que me
encontrei diante daquelas
imagens na tela da TV. Meu primeiro impulso foi o de querer proteger o menino que aparecia todo
estropiado, de pegá-lo no colo e
levá-lo embora dali.
Ele implorava para que a câmera da TV Record se afastasse, não
estava em condições de dizer coisa alguma. Com maxilar e nariz
quebrados, um hematoma gigante a cobrir-lhe o olho direito e o
rosto todo marcado por arranhões, como poderia prestar
qualquer depoimento?
A equipe de reportagem insistia. Ele fazia gestos desesperados
com a mão, tentando distanciar a
câmera que lhe era enfiada na fuça. Parecia estar querendo dizer:
"Já que vocês não estão aqui para
me ajudar, ao menos não me
amolem", mas o repórter seguia
com suas perguntas.
Quando as imagens foram a
público, ninguém nem sequer
mencionou que o jovem, que acabaria morrendo no dia seguinte,
penou, em suas últimas horas,
nas mãos da equipe de reportagem que registrara seu calvário.
Além de ter sido abandonado
pelos amigos, que seguiram como
se nada fosse para assistir ao jogo
Palmeiras x Corinthians; além de
ter tido sua segurança negligenciada por policiais cheios de desculpas esfarrapadas a dar; além
de ter sido dispensado, como se tivesse ido se queixar de uma mera
dor de barriga, do posto de saúde
a que recorreu, Marcos Gabriel
Cardoso, 16, o corintiano morto
por torcedores, ainda foi submetido à insensibilidade de um tipo
de jornalismo cada vez mais desinibido ao explorar os meandros
da miséria humana.
As cenas na televisão me fizeram lembrar das famosas fotos do
urubu que se prepara para dar o
bote no bebê africano vítima da
fome. O leitor deve estar lembrado dessas imagens terríveis, que
correram o mundo anos atrás, e
dos questionamentos éticos que
elas suscitaram.
Em sua defesa, o fotógrafo, que
não moveu uma palha para ajudar o recém-nascido, alegou que
suas fotografias denunciavam
uma situação real e que seu dever
era o de retratar o drama.
A equipe de reportagem da TV
Record é capaz de usar a mesma
linha de argumentação para defender sua conduta no caso do
torcedor. Só que a mim eles não
irão comover.
Uma coisa é registrar os fatos
com distanciamento. Outra é importunar um indivíduo que acabara de ser espancado, visivelmente impossibilitado de atender
a qualquer solicitação, e continuar a fustigá-lo depois de ele implorar para ser deixado em paz.
QUALQUER NOTA
Rave no Iraque
Minha tresloucada amiga Bucicleide está perdendo a bússola.
Quando viu as fotos dos prisioneiros iraquianos sendo torturados por soldados norte-americanos, Buci, digo, Cleide ligou
para perguntar se a Soninha da
MTV tinha virado jurada de
campeonato de almôndega no
Oriente Médio.
Tira-teima
Uma coisa não ficou muito
bem esclarecida, e aqueles poucos segundos de estupor que
congelaram o ambiente fizeram a pulga ir correndo se alojar atrás da orelha. Afinal de
contas, tem mulher de senador
apanhando ou não tem?
E-mail - barbara@uol.com.br
www.uol.com.br/barbaragancia
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