São Paulo, sexta-feira, 07 de maio de 2004

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BARBARA GANCIA

Urubus sempre rondam os menos afortunados

Maldita hora em que me encontrei diante daquelas imagens na tela da TV. Meu primeiro impulso foi o de querer proteger o menino que aparecia todo estropiado, de pegá-lo no colo e levá-lo embora dali.
Ele implorava para que a câmera da TV Record se afastasse, não estava em condições de dizer coisa alguma. Com maxilar e nariz quebrados, um hematoma gigante a cobrir-lhe o olho direito e o rosto todo marcado por arranhões, como poderia prestar qualquer depoimento?
A equipe de reportagem insistia. Ele fazia gestos desesperados com a mão, tentando distanciar a câmera que lhe era enfiada na fuça. Parecia estar querendo dizer: "Já que vocês não estão aqui para me ajudar, ao menos não me amolem", mas o repórter seguia com suas perguntas.
Quando as imagens foram a público, ninguém nem sequer mencionou que o jovem, que acabaria morrendo no dia seguinte, penou, em suas últimas horas, nas mãos da equipe de reportagem que registrara seu calvário.
Além de ter sido abandonado pelos amigos, que seguiram como se nada fosse para assistir ao jogo Palmeiras x Corinthians; além de ter tido sua segurança negligenciada por policiais cheios de desculpas esfarrapadas a dar; além de ter sido dispensado, como se tivesse ido se queixar de uma mera dor de barriga, do posto de saúde a que recorreu, Marcos Gabriel Cardoso, 16, o corintiano morto por torcedores, ainda foi submetido à insensibilidade de um tipo de jornalismo cada vez mais desinibido ao explorar os meandros da miséria humana.
As cenas na televisão me fizeram lembrar das famosas fotos do urubu que se prepara para dar o bote no bebê africano vítima da fome. O leitor deve estar lembrado dessas imagens terríveis, que correram o mundo anos atrás, e dos questionamentos éticos que elas suscitaram.
Em sua defesa, o fotógrafo, que não moveu uma palha para ajudar o recém-nascido, alegou que suas fotografias denunciavam uma situação real e que seu dever era o de retratar o drama.
A equipe de reportagem da TV Record é capaz de usar a mesma linha de argumentação para defender sua conduta no caso do torcedor. Só que a mim eles não irão comover.
Uma coisa é registrar os fatos com distanciamento. Outra é importunar um indivíduo que acabara de ser espancado, visivelmente impossibilitado de atender a qualquer solicitação, e continuar a fustigá-lo depois de ele implorar para ser deixado em paz.

QUALQUER NOTA

Rave no Iraque
Minha tresloucada amiga Bucicleide está perdendo a bússola. Quando viu as fotos dos prisioneiros iraquianos sendo torturados por soldados norte-americanos, Buci, digo, Cleide ligou para perguntar se a Soninha da MTV tinha virado jurada de campeonato de almôndega no Oriente Médio.

Tira-teima
Uma coisa não ficou muito bem esclarecida, e aqueles poucos segundos de estupor que congelaram o ambiente fizeram a pulga ir correndo se alojar atrás da orelha. Afinal de contas, tem mulher de senador apanhando ou não tem?

E-mail - barbara@uol.com.br
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