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PASQUALE CIPRO NETO
"Quero que você diga àquele..."
"Como se explica a ocorrência de crase em "àquele" e "àqueles"?", perguntam os leitores
É MELHOR NÃO terminar a frase,
que, indicam os registros, foi
dita por um dos tantos parlamentares que meteram pés e mãos
na lama da história recente do país.
O destinatário do recado da nobre figura era o presidente da República.
Que relação tem esse recado com
a coluna? Vamos lá: você notou o
acento grave em "àquele", não? Pois
bem. Nas duas colunas anteriores,
tratei de alguns casos do emprego do
acento indicador de crase. Inúmeros
leitores escreveram para perguntar
como se explica a ocorrência do
acento indicador de crase em "àquele" e "àqueles". "Se são palavras
masculinas, como se explicam esses
casos?", perguntaram os leitores.
Voltemos ao ponto de partida:
"crase" significa "fusão", "mistura".
Em gramática, quando se fala de crase, fala-se da fusão de duas vogais
iguais. No português moderno, a
crase se restringe ao caso em que a
preposição "a" se funde com um segundo "a", que, na maior parte dos
casos (o que não quer dizer sempre),
é o artigo definido feminino "a".
Na frase do nobre parlamentar
("Quero que você diga àquele..."),
não ocorre fusão da preposição "a"
com o artigo "a". Também não ocorre crase antes de palavra masculina.
O que ocorre então? Ocorre crase
(ou seja, fusão) da preposição "a", regida pelo verbo "dizer" ("dizer a alguém"), com a letra "a" inicial do
pronome demonstrativo "aquele".
Esse fenômeno pode ocorrer com
o "a" inicial de "aquele", "aquela",
"aqueles", "aquelas" e "aquilo".
Posto isso, vamos ao que conta,
ou seja, às suas conseqüências práticas desse emprego do acento grave. Quem lê uma frase que comece
com algo como "Àqueles que..."
certamente não espera que essa
expressão introduza o sujeito
-desde que note a presença do
acento grave em "àqueles". Digo isso porque nesses casos vale a lei da
"maioria x minoria". Explico: como
a forma "aqueles" é muito mais comum do que "àqueles", é normal
que passemos "batidos" pelo acento grave, ou seja, que, num primeiro momento, leiamos "àqueles" como se fosse "aqueles", o que altera
radicalmente a expectativa sobre a
continuação da frase. Percebido o
equívoco, as coisas se ajeitam.
Agora leia com atenção: "Àqueles
que o ofendem e perseguem e fingem não entender seu verdadeiro
pensamento convém dizer que...".
Percebeu o que ocorre se não se
percebe o acento indicador de crase em "àqueles"? Agora leia isto:
"Aqueles que o ofendem e perseguem e fingem não entender seu
verdadeiro pensamento valem-se
de toda sorte de sofismas e farisaísmos para justificar seus delírios".
As coisas ficaram/estão claras?
Antes que me esqueça, convém
lembrar que a contração da preposição "a" com o "a" inicial de "aquele/s", "aquela/s" e "aquilo" não é
obrigatória, embora seja mais do
que predominante. Tradução: se
você quiser, pode perfeitamente
trocar "Diga àquele rapaz que não
faça isso" por "Diga a aquele rapaz
que...". Também pode trocar "Peça
àquela moça que me responda logo" por "Peça a aquela moça...".
E "àquilo"? Vamos direto a um
exemplo: "Acrescia a veste sacra do
sacerdote, que dava àquilo um ar
de solenidade e consagração" (Machado, "Helena", citado no "Aurélio"). Parece claro, não? É isso.
inculta@uol.com.br
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