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MÃEZINHA
Depois de desistir do aborto e dar à luz em Jacareí, menina de 11 anos sonha que o filho vire cantor sertanejo
"Não é lindo ficar grávida junto com Xuxa?'
Ana Ottoni/Folha Imagem
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Luciano, filho de menina de 11 anos que foi violentada no Rio e desistiu de fazer aborto
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ARMANDO ANTENORE
enviado especial a Jacareí (SP)
A menina de 11 anos, sem rosto e sem nome, que o país conhece apenas como M., está voltando para casa.
No ano passado, violentada por um lavrador em Sapucaia (RJ), onde vivia, engravidou e acabou despertando um debate nacional sobre o aborto.
Seus pais, modestos agricultores, foram à Justiça pedir permissão para interromper a gravidez. Temiam que a filha morresse durante o parto.
Conseguiram a autorização, mas mudaram de idéia, convencidos por um grupo de católicos. Três representantes da Comissão em Defesa da Vida, ligada à diocese de São José dos Campos (SP), se deslocaram para Sapucaia e ofereceram ajuda. Até o nascimento do bebê, M. disporia de todo apoio médico e psicológico.
Também poderia morar numa casa de quatro dormitórios em Jacareí, a 68 km de São Paulo, e continuar estudando diariamente com uma professora particular (a menina cursa a terceira série).
Aceita a oferta, M. e a mãe se mudaram em janeiro. O pai não as acompanhou. A irmã mais velha, de 14 anos, seguiu para a cidade paulista meses depois.
No dia 13 de maio, às 20h30, Luciano nasceu, tão saudável quanto M. Agora, chegou o momento de partir. Em uma semana, ou um pouco mais, a família deve retornar para o sítio Santa Clara, onde ocupa um casebre de barro, salpicado de goteiras.
Lá, M. e a irmã costumam trabalhar na roça de tomate, abobrinha, pepino, jiló, pimentão e berinjela, que o pai cultiva como meeiro.
A comissão de São José dos Campos fez contato com a igreja de Sapucaia, pedindo que dê assistência à jovem mãe e ao bebê. O auxílio, no entanto, não prevê o envio de dinheiro. Por ora, firmou-se apenas o compromisso de que a família receberá mensalmente "uma cesta básica reforçada".
Há uma semana, a Folha passou três dias em Jacareí e conversou com M., que disse não gostar de ser somente uma letra nos jornais. A menina criou, então, um pseudônimo para si: Luana -mistura de seu nome verdadeiro (que prefere continuar omitindo) com o do filho.
Não só o susto e as dúvidas
acompanharam Luana durante as
39 semanas de gravidez. O ânimo
da menina melhorou muito quando soube que Xuxa esperava um
filho. "Vi no Faustão e quase caí
para trás. Estávamos grávidas juntas. Não é lindo isso?"
Atrapalhou-se com as contas e
pensou que "a rainha" poderia
"ganhar o nenê" primeiro. Luciano acabou sendo mais rápido.
"Minha mãe escolheu o nome, e
eu aprovei."
Aprovou porque Luciano é também o nome "daquele artista"
que faz dupla com Zezé di Camargo (o "Zezedi", como diz Luana).
"Queria que meu filho virasse
cantor sertanejo... Não precisava
nem ganhar dinheiro. Bastava botar a voz no mundo."
Impressiona o modo de a garota
falar "meu filho". Pronuncia
com muita naturalidade -exatamente a mesma que exibe quando
trata o bebê por "fofudo".
Entre um jeito e outro de chamá-lo, revela-se a distância que separa a menina da mulher. As duas,
claro, convivem em Luana. Mas
qual predomina? Ela própria não
sabe a resposta. "Sou criança",
declara convicta para, depois de
uma pausa, completar: "Só que
também me sinto mulher".
A criança entra em cena quando
o assunto são os Bananas de Pijamas. Luana os adora. Tem três
blusas, uma camisola, um shortinho, duas presilhas de cabelo e
dois pôsteres com os bonecos da
TV.
Luciano não fica atrás. Já acumula um boné, uma camiseta, um
xampu, uma calça comprida, um
macacão e uma mamadeira dos
personagens. "As pessoas nos dão
de presente porque sabem que
gostamos."
Há outros momentos em que a
faceta infantil aparece:
* Quando Luana confidencia o
apelido que arrumou para a psicóloga Iamara Maria Porcelli. "É
Chulé."
* Quando reclama de saudade
"da roça". "Cansei daqui. Não
vejo a hora de voltar para Sapucaia. Se eu fosse a fada bela, puf,
chegaria lá num minuto."
* Quando implica com o cachorro vira-lata que insiste em rondar
a casa. "Não é cachorro. É cadela.
Nós a batizamos de Chocolatina."
* Quando jura que nunca deu
bola para bonecas. "Imagine! Prefiro brincar de médica e professora. Ou, então, de merendeira, cozinhando comidinha de barro."
É na relação com o bebê que a
mulher toma as rédeas. Zelosa,
Luana o amamenta sempre que
necessário, à noite ou de dia, sem
lamúrias. "Delícia dar de mamar.
O peito enche, enche até entornar.
Depois, esvazia."
As mudanças que a gestação lhe
provocou no corpo não a assustam. "Minha barriga e meus seios
incharam, né? Normal. Ficaria
com medo se nunca tivesse visto
mulher grávida. Mas já vi muitas.
Então, não liguei."
Ela assume praticamente todos
os cuidados com o bebê. Só não dá
banho porque teme machucá-lo.
Deixa a tarefa para a irmã.
Outros temores a perturbam. O
medo da friagem, por exemplo.
"É um perigo. Causa dor de ouvido no menino."
Também odeia pernilongos.
"Não permito que cheguem perto. Podem comer o coitadinho."
Se vai tomar banho, mantém uma
fresta da porta aberta, para espiar
o bebê no quarto. "Tenho receio
de me afastar. Puxei minha mãe,
que nunca gostou de deixar as filhas sozinhas."
As tarefas domésticas divide
com Maria Nair Lopes, 52, madrinha de Luciano, que mora na mesma casa, em Jacareí. Ambas se tratam de "comadre".
Foguetório
Quando retornar para Sapucaia,
a irmã de Luana pretende soltar
"uma caixa de foguetes". Vai comemorar "porque o bebê nasceu
homem".
"Ela torcia por um menino",
explica Luana. "Eu não. Queria
menina. Homem é um bicho que
perturba. Bem que minha mãe avisou: "Não peça menina. Fique calada. Se você pedir, Deus troca'. E
trocou mesmo."
Sobre o episódio do aborto, fala
pouco. "Nunca pensei em tirar o
Luciano. Foi meu pai quem se apavorou. Achava que eu não aguentaria parir a criança, que iria morrer bem na hora. Não morri nem
tive medo do parto, e olha que fiz
cesariana."
Outro filho? "Um já chega." E
casar? "Também não me interessa. Mais tarde, com 20 anos, posso
juntar. Ou junto ou continuo solteira. Marido dá trabalho. Homem
juntado talvez exija menos."
Quando alguém lhe pede para
descrever Luciano, a "mãezinha"
-como muitos a chamam- se
desmancha: "É um menino lindo.
O cabelo preto e lisinho tem jeito
de que vai enrolar. A pele parecia
uma vela de tão branca, mas está
ficando morena. Não existe nada
melhor do que pegar e abraçar o
"fofudo'. O que mais queria é que
meu filho demorasse bastante para crescer."
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