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SEQÜESTRO
Polícia usou grampos e infiltrações para chegar a acusado; ele seria remanescente de grupo suspeito de 20 seqüestros
Quadrilha já teria rendido duas crianças
DA REPORTAGEM LOCAL
O único preso pelo seqüestro
encerrado ontem na capital paulista não tem nenhuma passagem
pela polícia, mas é apontado pela
Divisão Anti-Seqüestro (DAS) como um criminoso experiente.
Segundo o delegado Wagner
Giudice, diretor da DAS, Renato
Faria Lopes, 25, o "Zóio", é um remanescente da quadrilha liderada
por André de Souza Moitinho, 21,
o André Loucura, morto pela polícia em abril de 2002.
No caso da aluna do Dante Alighieri, além de negociador, Lopes
é apontado como possível arrebatador -seria o ousado pedestre
de terno e gravata que rendeu a
menina no meio da rua, às 18h.
Uma das provas contra o rapaz,
sempre de acordo com os policiais, são as gravações de sua voz.
Nos contatos com a família da vítima ele simulava ter a língua presa, supostamente colocando um
pequeno objeto na boca. Reproduzida na prisão, a fala do acusado seria idêntica à interceptada.
Com sede no Capão Redondo
(zona sul de São Paulo) -onde
Lopes foi preso anteontem-, o
grupo de André Loucura é suspeito de comandar pelo menos 20 seqüestros e sempre ter tido preferência por reféns jovens. Ambicioso, Loucura teria iniciado a
prática de exigir mais de um resgate pela liberdade de algumas
dessas vítimas.
Detido na quinta, Lopes teria
confessado ter sido o negociador
em três desses seqüestros. Em um
deles, duas irmãs de 10 e 12 anos
estavam em cativeiro, segundo o
delegado Carlos Castiglioni, da 1ª
Delegacia da DAS, de onde saíram
após o pagamento do resgate.
Num segundo caso em que Lopes agiu, um comerciante de 41
anos foi libertado em agosto de
2003, depois de ficar também 70
dias em cativeiro. Ele perdeu
aproximadamente 20 kg, e a família pagou R$ 120 mil à quadrilha.
Apesar das sucessivas ações criminosas de que é acusado, a polícia atribui à discrição de Lopes o
seu anonimato por anos. Desta
vez, porém, ele teria falado demais: referências feitas por ele a
esses crimes antigos, em conversas interceptadas, foram uma das
pistas que levaram a seu rastro.
R$ 500 mil de resgate
Nos primeiros dias do seqüestro, de acordo com a versão da
polícia, a família optou por seguir
as orientações de um funcionário
inglês da Control Risk, uma empresa britânica de gerenciamento
de crises que agiu também no caso do publicitário Washington
Olivetto e cujos serviços estão incluídos em um seguro anti-seqüestro. Contra a vontade da polícia, o inglês teria defendido que o
resgate fosse pago no 13º dia.
"É de fato difícil convencer uma
família que tem recursos suficientes a não pagar", justifica o delegado Giudice, comentando a decisão dos parentes de entregar à
quadrilha os cerca de R$ 500 mil
após a primeira prova de vida.
"Fizemos perguntas a eles que
só poderiam ser respondidas pela
menina. Eles acertaram", esclarece Ronaldo Sayeg, delegado operacional e chefe da investigação.
A polícia não diz os motivos pelos quais não prendeu o homem
que recebeu o resgate nas proximidades da avenida Cupecê (zona
sul) nem dá detalhes desse encontro. Informalmente, porém, os
policiais criticam a interferência
do negociador da Control Risk.
Fundada em 1975, a empresa
trabalha em total sigilo. Diz ter
atuado em 1.100 casos em 80 países, mas ontem, como de praxe, se
recusou a comentar o caso.
A hora da escuta
Durante o silêncio de semanas,
os criminosos usaram o dinheiro
do resgate para comprar imóveis
e carros, de acordo com Giudice.
Depois, voltaram a fazer contato.
"Notamos logo que a quadrilha
tinha algum grau de profissionalismo, pois as chamadas eram rápidas e raras", afirma Giudice.
Orientado pela polícia, o pai da
menina comandou as negociações. Os investigadores, então,
identificaram que as chamadas
feitas para a família, a partir de
inúmeros celulares, saíam sempre
da mesma estação telefônica, na
região da Guarapiranga (zona
sul). Era a única pista a seguir.
Os celulares foram rastreados e
interceptados. Foi numa das conversas com um interlocutor ainda
desconhecido que o homem da
língua presa se identificou como
"Zóio" e fez referência a episódios
ocorridos em seqüestros antigos.
O governo, então, infiltrou policiais onde viveram membros já
presos ou mortos das quadrilhas
que comandaram aquelas ações.
A missão era localizar "Zóio".
Após várias tentativas, eles
identificaram a casa de Lopes.
Vestidos de funcionários de empresas de telefonia e energia, passaram a monitorar o imóvel e decidiram dar voz de prisão ao acusado na tarde de quinta-feira.
Um investigador colocou o uniforme de campanha de um candidato à prefeitura e bateu no portão. O rapaz abriu e saiu para pegar os folhetos. Foi preso.
Lopes se recusou a fornecer dados sobre os comparsas, dizendo
apenas que a garota havia sido indicada como vítima por um integrante da quadrilha conhecido
como "Andrezinho", apontado
por ele como mentor da ação. A
polícia não sabe por quanto tempo a rotina da família foi observada pelos membros da quadrilha.
Dois mortos na sala
A equipe de buscas chegou ao
cativeiro, no sítio Araponga, km
333 da Régis Bittencourt, por volta das 3h30 de ontem. "Estava tudo em silêncio. Forçamos a porta.
Eles reagiram. Na troca de tiros,
dois morreram", diz Giudice.
Eram dez contra dois. Foram
dezenas de tiros numa casa de
quatro cômodos. As manchas de
sangue indicam que um dos mortos estava num colchão na sala.
Até a noite de ontem tudo o que se
sabia sobre eles é que um era
branco e outro, pardo.
"Aqui bandido tem dois caminhos: a cadeia ou o IML. Um escolheu a cadeia. Dois, o IML", disse
Godofredo Bittencourt, diretor
do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado), ao qual está subordinada a
DAS. No momento da invasão da
casa, a refém estava no único
quarto do imóvel, onde havia
uma cama, um armário e uma bonequinha de plástico. O uniforme
da escola havia sido trocado por
um moletom. Ela ouviu os tiros e
viu os corpos, mas não se feriu.
Como a menina libertada ontem, 16% das vítimas de seqüestro
no Estado no primeiro semestre
deste ano têm menos de 17 anos e
25% são estudantes, segundo levantamento feito nos boletins de
ocorrência. Os comerciantes representaram 16% dos arrebatados. Os empresários, 11,1%.
A polícia, no entanto, nega a
existência de uma tendência de
aumento de casos de seqüestros
de menores ou de concentração
de ataques a essas vítimas. "Não
vão ser as primeiras [crianças seqüestradas] nem serão as últimas.
Houve uma coincidência [de haver alguns casos seguidos]", afirma o delegado Giudice, frisando
que os alvos preferidos dos seqüestrados seguem sendo homens, com mais de 18 anos.
"A criança pode ser um alvo
mais fácil, mas é um hóspede
muito mais difícil. Por isso, não
há direcionamento [para um tipo
de vítima]. Crime é oportunidade", diz Bittencourt, sugerindo
que os pais procurem a polícia ao
menor sinal estranho detectado
na rotina de seus filhos.
(SÍLVIA CORRÊA E GILMAR PENTEADO)
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