São Paulo, sábado, 07 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SEQÜESTRO

Polícia usou grampos e infiltrações para chegar a acusado; ele seria remanescente de grupo suspeito de 20 seqüestros

Quadrilha já teria rendido duas crianças

DA REPORTAGEM LOCAL

O único preso pelo seqüestro encerrado ontem na capital paulista não tem nenhuma passagem pela polícia, mas é apontado pela Divisão Anti-Seqüestro (DAS) como um criminoso experiente.
Segundo o delegado Wagner Giudice, diretor da DAS, Renato Faria Lopes, 25, o "Zóio", é um remanescente da quadrilha liderada por André de Souza Moitinho, 21, o André Loucura, morto pela polícia em abril de 2002.
No caso da aluna do Dante Alighieri, além de negociador, Lopes é apontado como possível arrebatador -seria o ousado pedestre de terno e gravata que rendeu a menina no meio da rua, às 18h.
Uma das provas contra o rapaz, sempre de acordo com os policiais, são as gravações de sua voz. Nos contatos com a família da vítima ele simulava ter a língua presa, supostamente colocando um pequeno objeto na boca. Reproduzida na prisão, a fala do acusado seria idêntica à interceptada.
Com sede no Capão Redondo (zona sul de São Paulo) -onde Lopes foi preso anteontem-, o grupo de André Loucura é suspeito de comandar pelo menos 20 seqüestros e sempre ter tido preferência por reféns jovens. Ambicioso, Loucura teria iniciado a prática de exigir mais de um resgate pela liberdade de algumas dessas vítimas.
Detido na quinta, Lopes teria confessado ter sido o negociador em três desses seqüestros. Em um deles, duas irmãs de 10 e 12 anos estavam em cativeiro, segundo o delegado Carlos Castiglioni, da 1ª Delegacia da DAS, de onde saíram após o pagamento do resgate.
Num segundo caso em que Lopes agiu, um comerciante de 41 anos foi libertado em agosto de 2003, depois de ficar também 70 dias em cativeiro. Ele perdeu aproximadamente 20 kg, e a família pagou R$ 120 mil à quadrilha.
Apesar das sucessivas ações criminosas de que é acusado, a polícia atribui à discrição de Lopes o seu anonimato por anos. Desta vez, porém, ele teria falado demais: referências feitas por ele a esses crimes antigos, em conversas interceptadas, foram uma das pistas que levaram a seu rastro.

R$ 500 mil de resgate
Nos primeiros dias do seqüestro, de acordo com a versão da polícia, a família optou por seguir as orientações de um funcionário inglês da Control Risk, uma empresa britânica de gerenciamento de crises que agiu também no caso do publicitário Washington Olivetto e cujos serviços estão incluídos em um seguro anti-seqüestro. Contra a vontade da polícia, o inglês teria defendido que o resgate fosse pago no 13º dia.
"É de fato difícil convencer uma família que tem recursos suficientes a não pagar", justifica o delegado Giudice, comentando a decisão dos parentes de entregar à quadrilha os cerca de R$ 500 mil após a primeira prova de vida.
"Fizemos perguntas a eles que só poderiam ser respondidas pela menina. Eles acertaram", esclarece Ronaldo Sayeg, delegado operacional e chefe da investigação.
A polícia não diz os motivos pelos quais não prendeu o homem que recebeu o resgate nas proximidades da avenida Cupecê (zona sul) nem dá detalhes desse encontro. Informalmente, porém, os policiais criticam a interferência do negociador da Control Risk.
Fundada em 1975, a empresa trabalha em total sigilo. Diz ter atuado em 1.100 casos em 80 países, mas ontem, como de praxe, se recusou a comentar o caso.

A hora da escuta
Durante o silêncio de semanas, os criminosos usaram o dinheiro do resgate para comprar imóveis e carros, de acordo com Giudice. Depois, voltaram a fazer contato.
"Notamos logo que a quadrilha tinha algum grau de profissionalismo, pois as chamadas eram rápidas e raras", afirma Giudice.
Orientado pela polícia, o pai da menina comandou as negociações. Os investigadores, então, identificaram que as chamadas feitas para a família, a partir de inúmeros celulares, saíam sempre da mesma estação telefônica, na região da Guarapiranga (zona sul). Era a única pista a seguir.
Os celulares foram rastreados e interceptados. Foi numa das conversas com um interlocutor ainda desconhecido que o homem da língua presa se identificou como "Zóio" e fez referência a episódios ocorridos em seqüestros antigos.
O governo, então, infiltrou policiais onde viveram membros já presos ou mortos das quadrilhas que comandaram aquelas ações. A missão era localizar "Zóio".
Após várias tentativas, eles identificaram a casa de Lopes. Vestidos de funcionários de empresas de telefonia e energia, passaram a monitorar o imóvel e decidiram dar voz de prisão ao acusado na tarde de quinta-feira.
Um investigador colocou o uniforme de campanha de um candidato à prefeitura e bateu no portão. O rapaz abriu e saiu para pegar os folhetos. Foi preso.
Lopes se recusou a fornecer dados sobre os comparsas, dizendo apenas que a garota havia sido indicada como vítima por um integrante da quadrilha conhecido como "Andrezinho", apontado por ele como mentor da ação. A polícia não sabe por quanto tempo a rotina da família foi observada pelos membros da quadrilha.

Dois mortos na sala
A equipe de buscas chegou ao cativeiro, no sítio Araponga, km 333 da Régis Bittencourt, por volta das 3h30 de ontem. "Estava tudo em silêncio. Forçamos a porta. Eles reagiram. Na troca de tiros, dois morreram", diz Giudice.
Eram dez contra dois. Foram dezenas de tiros numa casa de quatro cômodos. As manchas de sangue indicam que um dos mortos estava num colchão na sala. Até a noite de ontem tudo o que se sabia sobre eles é que um era branco e outro, pardo.
"Aqui bandido tem dois caminhos: a cadeia ou o IML. Um escolheu a cadeia. Dois, o IML", disse Godofredo Bittencourt, diretor do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado), ao qual está subordinada a DAS. No momento da invasão da casa, a refém estava no único quarto do imóvel, onde havia uma cama, um armário e uma bonequinha de plástico. O uniforme da escola havia sido trocado por um moletom. Ela ouviu os tiros e viu os corpos, mas não se feriu.
Como a menina libertada ontem, 16% das vítimas de seqüestro no Estado no primeiro semestre deste ano têm menos de 17 anos e 25% são estudantes, segundo levantamento feito nos boletins de ocorrência. Os comerciantes representaram 16% dos arrebatados. Os empresários, 11,1%.
A polícia, no entanto, nega a existência de uma tendência de aumento de casos de seqüestros de menores ou de concentração de ataques a essas vítimas. "Não vão ser as primeiras [crianças seqüestradas] nem serão as últimas. Houve uma coincidência [de haver alguns casos seguidos]", afirma o delegado Giudice, frisando que os alvos preferidos dos seqüestrados seguem sendo homens, com mais de 18 anos.
"A criança pode ser um alvo mais fácil, mas é um hóspede muito mais difícil. Por isso, não há direcionamento [para um tipo de vítima]. Crime é oportunidade", diz Bittencourt, sugerindo que os pais procurem a polícia ao menor sinal estranho detectado na rotina de seus filhos.
(SÍLVIA CORRÊA E GILMAR PENTEADO)


Texto Anterior: Menina de 12 anos é libertada após 70 dias
Próximo Texto: Por segurança, Folha segue caso, mas não publica
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.