São Paulo, quinta-feira, 07 de setembro de 2006

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Diretor admite que segurança é precária

Mário de Andrade não tem câmera de vídeo; fragilidade de instituição estimula formação de quadrilhas, diz Carvalho Filho

Para ele, patrimônio artístico precisa de polícia especializada no setor e investimento em proteção; local tem 25 bibliotecários

DA REPORTAGEM LOCAL

Não há câmeras de vídeo no setor de obras raras da Mário de Andrade. Quem entra na biblioteca não é fotografado por câmeras digitais, como acontece na mais humilde das empresas. O advogado Luís Francisco Carvalho Filho não tem dúvidas de que a biblioteca que dirige tem uma segurança "precária": "A biblioteca tem uma fragilidade que é evidente".
Essa fragilidade, na interpretação dele, estimulou a formação de quadrilhas. Não é circunstancial, segundo ele, que a Mário de Andrade integre uma lista de instituições culturais furtadas que só cresce e da qual fazem parte a Biblioteca Nacional do Rio, o Arquivo Histórico da cidade do Rio de Janeiro, a Chácara do Céu, também no Rio, o Itamaraty, em Brasília, e o Museu do Ipiranga, em São Paulo.
A Mário de Andrade toma uma série de precauções com suas obras raras. Qualquer pessoa pode requisitar obras da coleção, que tem gravuras do livro "Jazz" de Matisse a Bíblias impressas antes de 1500, chamadas incunábulos.
O pesquisador nunca entra na sala em que as obras raras são guardadas. Ele fica numa sala de leitura própria para obras raras, sempre na companhia de um funcionário da biblioteca. Se há uma versão mais recente do livro raro, a mais antiga não sai da sala. Essas precauções foram suficientes por mais de 80 anos -a biblioteca foi fundada em 1925-, mas não resistiu ao que parece ser um ataque em série.

Debret não dá no pomar.
Carvalho Filho diz que há pelo menos duas providências a serem tomadas pelos governos: 1) "É o momento de o poder público fazer um investimento concreto e real, criando delegacias especializadas na defesa do patrimônio artístico. O Brasil precisa de polícia especializada nesse setor".
2) Instituições culturais precisam investir em segurança.
A especialização da polícia, para Carvalho Filho, coibiria o mercado que existe no Brasil de obras furtadas. "Existe uma espécie de tolerância social e moral a essas coleções que se fundam nisso [no furto]. Esse mercado tem de ser combatido com rigor pelo poder público."
Para o diretor da Mário de Andrade, os compradores de obras que não se preocupam com a origem delas sabem que "Debret não nasce em pomar" -ou seja, se não tem origem definida, é provável que tenha sido furtado.
O delegado Mário Jordão Toledo Leme, da 1ª Delegacia Seccional de São Paulo, diz que não descarta nenhuma hipótese. "Pode ser uma encomenda de um colecionador e pode ser um furto isolado. É uma investigação demorada e complexa porque a pessoa que compra a gravura não expõe a obra."

Recuperação ameaçada
O furto ocorreu num momento em que a Mário de Andrade promove uma licitação de R$ 16 milhões, financiados parcialmente pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), para recuperar o prédio e modernizar seus serviços. A previsão é que as obras comecem em novembro.
"Esse episódio ameaça o processo de recuperação da biblioteca porque mina nossa credibilidade. A credibilidade da instituição já estava bastante abalada por causa da falta de investimentos", afirma o diretor.
As obras, previstas inicialmente para começar neste mês, podem ter estimulado a quadrilha a agir, de acordo com Carvalho Filho. A eventual quadrilha pode ter aproveitado a sobrecarga de trabalho que acompanha a preparação para o restauro do prédio para praticar os furtos.
Três forças-tarefas atuam na Mário de Andrade para preparar o prédio para o restauro:
1) Os 300 mil livros estão sendo limpos e higienizados, para eventual restauro ou tratamento;
2) O catálogo eletrônico está em fase de produção; e
3) A coleção de jornais passa por um processo de embalagem porque será retirada da torre da biblioteca e realocada num prédio ao lado.
O número de funcionários da biblioteca para todos esses processos é "pequeno", ainda segundo o diretor. Ele cita o número de bibliotecários para ilustrar a precariedade. Em 1992, eram 66; hoje são 25.
(MARIO CESAR CARVALHO E RICARDO GALLO)


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