São Paulo, segunda-feira, 07 de outubro de 2002

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MOACYR SCLIAR

Em busca do voto zero

Ainda não escolheu seus candidatos?
Eleições 2002, 2.out.2002

Quando comunicou à mulher que estava se candidatando a deputado estadual, ela abriu a boca de espanto:
-Mas você é o próprio anticandidato! -exclamou.
Era mesmo. Para começar, ninguém o conhecia; nada tinha feito de marcante. Em segundo lugar, era, como ele próprio admitia, um homem antipático, de poucos amigos, mais propenso a brigar do que a estabelecer relações afáveis. Por último, não tinha dinheiro. Não podia financiar nenhum tipo de campanha. Nem tinha a quem apelar.
Os filhos, ambos já homens, também procuraram dissuadi-lo: -Vai ser o maior vexame, papai, deixe disso.
Mas ele insistia: tendo conseguido legenda em um minúsculo e desconhecido partido, iria em frente rumo à glória.
-Quero deixar minha marca no mundo -afirmava. -E o cargo de deputado serve perfeitamente para isso.
Com essa idéia em mente, tratou de arranjar votos. O que só poderia fazer, claro, mediante contato pessoal. Mas contato pessoal com quem? Os familiares afirmaram que não votariam nele:
-Isso é maluquice sua -disse o filho mais velho. -Não conte conosco. Você deveria procurar um psiquiatra, isso sim.
Duas semanas depois, ele estava convencido de que o rapaz tinha razão. Falara com uma dúzia de pessoas, no máximo. A maioria já tinha prometido o voto para alguém. E os poucos do "conte comigo" provavelmente estavam mentindo.
E então uma idéia lhe ocorreu. Poderia, sim, passar para a história. Não como deputado eleito. Ao contrário. Enquanto os outros iam em busca de votos, ele se celebrizaria por ser o candidato da votação nula. Ninguém votaria nele.
Tratou de procurar os seus supostos eleitores, contou-lhes que pensara melhor e que, embora não pudesse retirar a candidatura (essas coisas de partido), pedia-lhes que não votassem nele. Um vizinho ainda insistiu: mas eu gostaria, sim, de dar o meu voto a você, afinal, nunca morei perto de um deputado. Ele não hesitou: chamou o homem de idiota, de imbecil. O vizinho virou as costas e foi embora furioso.
Convencido de que seu objetivo -votação zero- seria facilmente atingido, ele foi à urna. Não votou em si, claro; preferiu um desafeto. E ficou aguardando o resultado.
Como esperava, não fazia voto algum. E já antegozava o prazer (e a glória) de ver seu nome no "Livro Guiness dos Recordes", quando, de repente, aconteceu: numa seção eleitoral de um bairro distante, ele teve um voto. Um único voto, que foi o suficiente para estragar o seu projeto.
Agora, está à procura desse misterioso inimigo. E jura que vai fazê-lo pagar caro pela traição cometida.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.

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