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MOACYR SCLIAR
Em busca do voto zero
Ainda não escolheu seus candidatos?
Eleições 2002, 2.out.2002
Quando comunicou à mulher que estava se candidatando a deputado estadual, ela
abriu a boca de espanto:
-Mas você é o próprio anticandidato! -exclamou.
Era mesmo. Para começar, ninguém o conhecia; nada tinha feito
de marcante. Em segundo lugar,
era, como ele próprio admitia,
um homem antipático, de poucos
amigos, mais propenso a brigar
do que a estabelecer relações afáveis. Por último, não tinha dinheiro. Não podia financiar nenhum tipo de campanha. Nem tinha a quem apelar.
Os filhos, ambos já homens,
também procuraram dissuadi-lo:
-Vai ser o maior vexame, papai,
deixe disso.
Mas ele insistia: tendo conseguido legenda em um minúsculo e
desconhecido partido, iria em
frente rumo à glória.
-Quero deixar minha marca
no mundo -afirmava. -E o
cargo de deputado serve perfeitamente para isso.
Com essa idéia em mente, tratou de arranjar votos. O que só
poderia fazer, claro, mediante
contato pessoal. Mas contato pessoal com quem? Os familiares
afirmaram que não votariam nele:
-Isso é maluquice sua -disse
o filho mais velho. -Não conte
conosco. Você deveria procurar
um psiquiatra, isso sim.
Duas semanas depois, ele estava
convencido de que o rapaz tinha
razão. Falara com uma dúzia de
pessoas, no máximo. A maioria já
tinha prometido o voto para alguém. E os poucos do "conte comigo" provavelmente estavam
mentindo.
E então uma idéia lhe ocorreu.
Poderia, sim, passar para a história. Não como deputado eleito.
Ao contrário. Enquanto os outros
iam em busca de votos, ele se celebrizaria por ser o candidato da
votação nula. Ninguém votaria
nele.
Tratou de procurar os seus supostos eleitores, contou-lhes que
pensara melhor e que, embora
não pudesse retirar a candidatura (essas coisas de partido), pedia-lhes que não votassem nele.
Um vizinho ainda insistiu: mas
eu gostaria, sim, de dar o meu voto a você, afinal, nunca morei perto de um deputado. Ele não hesitou: chamou o homem de idiota,
de imbecil. O vizinho virou as costas e foi embora furioso.
Convencido de que seu objetivo
-votação zero- seria facilmente atingido, ele foi à urna. Não votou em si, claro; preferiu um desafeto. E ficou aguardando o resultado.
Como esperava, não fazia voto
algum. E já antegozava o prazer
(e a glória) de ver seu nome no
"Livro Guiness dos Recordes",
quando, de repente, aconteceu:
numa seção eleitoral de um bairro distante, ele teve um voto. Um
único voto, que foi o suficiente para estragar o seu projeto.
Agora, está à procura desse misterioso inimigo. E jura que vai fazê-lo pagar caro pela traição cometida.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.
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