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ALTO PADRÃO
Casarão próximo a lançamento imobiliário muda de aparência com reforma na fachada, mas continua precário por dentro
Construtora de prédio maquia cortiços
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
Por fora, bela viola. Por dentro,
pão bolorento. É assim que a vendedora Maria Benedita dos Santos Silva, 55, define a casa em que
vive, na rua Artur Prado, região
central de São Paulo. A fachada,
recém-pintada, faz com que o
imóvel se assemelhe a um casarão
de classe média. Assim que o portão é aberto, porém, o visitante se
vê diante de um cortiço.
A "ilusão de ótica" é explicada
pelos próprios moradores do local. Segundo eles, a construtora
Cyrela maquiou a fachada de três
cortiços vizinhos para não prejudicar as vendas de um condomínio de luxo que está sendo construído na região -o Vereda Paraíso. "Se não pintasse [a fachada], o pessoal ia dizer que aqui é
maloca. E quem é que vai querer
morar perto de maloca?", questiona a vendedora.
Fora Benedita, que acha que a
situação piorou, todos os moradores dos cortiços ouvidos pela
reportagem não hesitam em dizer
que a reforma agradou. "Tinha
gente com vergonha de dizer que
morava aqui dentro", afirma o
frentista Reinaldo Silva, 34, que
administra uma das casas.
Mas isso não os impede de dizer
que também se sentiram discriminados pelos novos vizinhos ricos. "Só fizeram isso porque as
pessoas podiam desistir de comprar, achar que a gente é favelado.
Se não quisessem fazer o prédio,
não ia ter ajuda nenhuma", diz a
faxineira Ana Paula Barbosa, 22.
"O portão, por exemplo, a gente
queria que eles colocassem um de
grade. Mas colocaram um fechado, que faz isso aqui parecer um
presídio. Isso revela preconceito.
Eles acham que, se a pessoa é pobre, é bandido. Não é assim", afirma o cozinheiro Manoel Gomes
da Silva, 41, que administra outra
das três pensões.
Da janela de seu quarto/casa,
onde vive com a mulher e um filho de um ano, Manoel pode ver a
construção do Vereda Paraíso e
os cartazes que anunciam as vantagens do novo prédio: piscina coberta, quadra de futebol, espaço
para redes. Cada apartamento irá
custar, no mínimo, R$ 400 mil.
Já Manoel paga R$ 250 mensais
por seu cômodo. Os dois banheiros do local são usados por nove
famílias. Na falta de espaço, as
roupas são penduradas no corredor. E no teto há um buraco que,
segundo Manoel, pode levar à
queda da laje a qualquer momento. Para ele, é o buraco, e não a beleza ou a feiúra da fachada, a
maior fonte de preocupação.
A empresa também realizou algumas reformas na parte interna
dos imóveis, mas, segundo os
moradores, grande parte ou não
foi concluída ou apresentou problemas de acabamento.
No cômodo da dona-de-casa
Maria Lúcia da Silva, 34, foram
colocadas telhas onduladas pelas
quais a água entra em dias chuvosos. No imóvel do meio, onde mora a dona-de-casa Janete Ferreira
Barbosa, 44, a calha nova precisou
ser consertada. No imóvel seguinte, administrado por Reinaldo,
um dos banheiros exibe um buraco onde deveria haver uma janela.
"Muitas coisas ficaram pela metade ou foram malfeitas. Mesmo
sendo de graça, a gente fica chateado com um serviço assim", diz
o frentista, que afirma já ter reclamado na empresa. Sem resposta.
A obra também recebe críticas
de gente que nem mora nos cortiços. "Eles [a empresa] deveriam
ter encontrado com os moradores
uma forma de melhorar o local,
mas não assim. Esse portão alto,
que colocaram na frente, cobre
tudo, é uma prisão", afirma a médica aposentada Maria Hélia Rocha, 72, que mora a um quarteirão
dos três imóveis. "Para mim, isso
foi querer camuflar a pobreza."
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