|
Texto Anterior | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN
Clube da luta é aqui
Ao sair atirando no cinema de
um shopping center, durante a
projeção de "Clube da Luta", o
ex-futuro médico Mateus da Costa Meira atingiu não apenas a
platéia, mas a população da cidade de São Paulo.
Mal a cidade se recuperava das
cenas da Febem, com suas rebeliões e corpos decepados, Mateus
maculou um dos escassos espaços
nos quais o paulistano se imagina
protegido -o shopping center.
Tamanho foi o impacto que, em
instantes, esqueceram-se as selvagerias da Febem. Logo se espalharam, movidas pela histeria, propostas como instalar detectores
de metal nos shoppings.
O shopping center é encarado
como uma espécie de oásis artificial, protegido da violência e da
luz natural. Pode-se andar a pé
sem olhar, assustado, para trás;
sem meninos de rua; sem carros
que não respeitam a faixa; sem
cachorros defecando nos caminhos.
O toque cinematográfico é dado
pelo óbvio paradoxo de que Mateus estava para se formar médico, treinado, supostamente, para
salvar vidas.
Ele acabou por remeter à lembrança dos estudantes de medicina, em São Paulo, que, numa festa de trote, envolveram-se com o
afogamento de um calouro.
Transformada num Clube da
Luta, São Paulo não cessa de produzir fatos emblemáticos que reforçam, a cada dia, a sensação de
orfandade, de desamparo -é
apenas a face mais aguda de um
sentimento, hoje, disseminado
nacionalmente.
Símbolos como o do endividado
que, para ganhar dinheiro, pagou
para que lhe cortassem a mão;
aleijado, ganharia com as apólices de seguro. Incendiou a imaginação da cidade quando alegou
que fora atacado numa caixa 24
horas, mais uma arapuca high
tech da cidade.
A Febem envia o pavor de que a
delinquência juvenil seria irrecuperável, nutrida com o dinheiro
do contribuinte.
Nunca se prendeu tanta gente,
superlotando ainda mais as cadeias. Mesmo assim, o crime
apresenta recorde atrás de recorde. Quadrilhas já determinam toque de recolher nas zonas periféricas, como se fossem autoridades
supremas.
Para aumentar a orfandade, o
poder público é visto como incompetente e corrupto. Nunca se
expuseram, com todas cruezas, as
redes de propina na cidade, com
laços na prefeitura e Câmara
-geraram-se poucas punições
para a amplitude das descobertas.
Surgem, agora, denúncias de
que nas imediações da cidade
-mais precisamente, Campinas- estaria um centro do crime
organizado, envolvendo de juízes
a parlamentares, passando obviamente por policiais.
As denúncias sobre a rede de
narcotráfico já seriam, por si só,
motivo suficiente para a percepção de desamparo; poucos temas
atormentam tanto os pais como a
disseminação de drogas dentro e
nas cercanias das escolas.
Coração econômico do país, cidade mundial, São Paulo está
doente -o que se reflete em toda
a nação.
Daí a importância especial, não
só para os paulistanos, da eleição
para a prefeitura.
Chegamos ao ponto de abandono e deboche que Fernando Collor brinca de candidato a prefeito.
A próxima eleição é um momento que tem tudo para se
transformar num marco divisório, canalizando as energias criativas e positivas da cidade, onde
vive o que há de mais sofisticado
no capital humano brasileiro.
Com seu grau de escolaridade e
cosmopolitismo, a cidade tem tudo para dar uma virada semelhante à de Nova York, desde que
a comunidade assuma suas responsabilidades junto com um poder público mais sério e eficaz.
Seriedade começa pela exigência de que o eleito não faça da cidade trampolim para cobiças política; deve ser o lugar para quem
não sonha em ser governador ou
presidente -mas prefeito de São
Paulo.
PS - Esclareço: sou paulistano e
adoro viver em São Paulo, justamente por testemunhar a riqueza
do capital humano -daí meus
otimismo sobre as perspectivas da
cidade. De resto, quem vive na Vila Madalena e conhece seus personagens, não tem motivos para
sentir saudade de Nova York.
A violência transformou-se, ali,
em beleza. Muros do bairros são
recuperados por jovens da Febem,
compondo mosaicos, orientados
por artistas plásticos. Se dermos
chance, as mãos que esmurram
produzem arte.
Texto Anterior: Telefônica reconhece problemas Índice
|