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PASQUALE CIPRO NETO
A eulalia de Eulália
Alguns leitores me informam que o famoso apresentador do "Show do Milhão" teria perguntado a um participante
do programa o significado de "eulalia", que Silvio Santos teria pronunciado "eulália". Dizem os leitores que no vídeo a palavra foi
grafada sem o acento agudo.
Por que cometemos silabadas
("erro de pronúncia, especialmente o que consiste em deslocar
o acento tônico da palavra") com
palavras grafadas corretamente?
Por que lemos "íbero" se o que está escrito é "ibero" (lê-se "ibéro")?
Por que lemos "eulália" se está escrito "eulalia" (lê-se "eulalía")?
A raiz do problema talvez esteja
no desconhecimento da relação
acentuação gráfica/tonicidade.
As regras de acentuação foram
feitas para que se leiam adequadamente todas as palavras da língua, mesmo as desconhecidas.
Se eu inventar um vocábulo,
qualquer pessoa poderá lê-lo corretamente se aplicar as regras de
acentuação. Se o termo inventado
for "nutil", a pronúncia correta
será "nutíl" (oxítona). Para que
fosse paroxítona, seria preciso colocar acento agudo no "u", porque TODAS as paroxítonas terminadas em "l" são acentuadas e
NENHUMA oxítona terminada
em "l" é acentuada.
A esta altura, voltamos ao velho
problema: como se trata da acentuação na aula de português? As
regras são demonstradas ou são
enfiadas goela abaixo sem nenhuma explicação? Não se pode
generalizar, mas ainda há quem
liste as regras e mande decorar
-e não se fala mais nisso!
Que tal, a partir de um texto,
deixar que os alunos descubram
que as proparoxítonas são as palavras menos comuns da língua e
que, por isso, são todas acentuadas? E depois mostrar que, eliminadas as proparoxítonas, sobram
duas possibilidades de posição da
sílaba tônica (oxítonas e paroxítonas) e que com elas se aplica o
mecanismo de comparação,
acentuando-se sempre a palavra
que representar o tipo de tonicidade menos comum na língua?
Nosso sistema de acentuação funciona por comparação e exclusão.
Não entendeu a passagem anterior? Explico. Compare duas palavras terminadas em "r", uma
oxítona ("andar") e outra paroxítona ("açúcar"). Recebeu acento
a que pertence ao grupo menos
comum na língua, o das paroxítonas que terminam em "r". Para
que se chegue a uma dúzia de
exemplos dessas palavras, precisa-se de boa dose de paciência.
Enquanto isso, as oxítonas terminadas em "r" abundam. Para começar, todos os verbos, no infinitivo, terminam em "r" e são oxítonos (ou monossílabos tônicos).
Na última terça, encontrei o finíssimo compositor Walter Franco. Um de seus belos discos chama-se "Revolver". Como você leu?
Quem pôs força na sílaba "vol"
esqueceu que... Walter Franco
sempre se queixa dessa troca. O
detalhe é que, se há no mundo alguém absolutamente zen, esse alguém é o genial Walter Franco.
Trocar a bela palavra "revolver"
pela horrenda "revólver"...
Bem, quanto à eulalia de Eulália, é só lembrar que, se acentuamos "séria", não acentuamos "seria" etc. "Eulalia" (como você
leu?), que vem do grego, resulta de
"eu" ("bem", "bom", "agradável") + "lalia" ("falar"). "Eulalia"
significa "modo agradável de falar"; "boa dicção". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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