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DANUZA LEÃO
Sem ilusões
Aí você sai para jantar com
amigos e vai a um restaurante bem chique. O maître, que
de paletó preto e calça listada parece até um noivo, é cheio de gentilezas; faz maneirismos à mesa,
propõe pratos interessantíssimos
e ainda diz que o chef pode fazer
qualquer coisa que você invente,
seja o que for, só para te dar prazer. Por outro lado, os garçons
trocam os cinzeiros de três em três
minutos, mesmo que ninguém fume na mesa, não deixam seu copo
ficar vazio um só instante e ficam
de olho o tempo todo para ver se o
pão acabou, se o guardanapo
caiu no chão, tudo para seu conforto e sua felicidade.
Aí, uma noite, você volta ao
mesmo restaurante e como o clima está bom, a bebida descendo
bem e todos alegres, a noite vai
passando, as outras mesas indo
embora, menos a sua, que vai ficando, ficando, até ser a última.
Lá pelas tantas um dos maîtres,
daqueles tão elegantes, sai vestindo uma camisa de algodão feia e
de má qualidade, com uma capanga debaixo do braço.
Aos poucos vão saindo os
garçons, a maioria usa camiseta
com alguma estampa, até de propaganda eleitoral, todos loucos
para chegar em casa e poder descansar. Aí então você tem uma
súbita percepção da realidade,
pensa que passou a noite num
teatro, e mais: fazendo parte do
espetáculo.
Aqueles funcionários tão educados e de tão boas maneiras são
pessoas que passam parte da vida
representando, e depois de lidar
com as comidas e bebidas mais
caras, quando terminam, vão esperar o ônibus para voltar para
casa, uma casa modesta onde alguém está esperando: a mãe,
uma namorada, ou mulher e filhos já dormindo, já que não puderam sair mais cedo porque seu
grupo ficou dando risada e dizendo bobagem.
É curioso que esses garçons, que
te tratam tão bem, não se despedem quando estão indo embora.
Na hora da volta à realidade,
quando o espetáculo terminou
-já na vida real, portanto-,
garçons não falam com clientes.
Já pensou encontrar na praia, que
é o lugar mais democrático que
existe, aquele que é tão solícito e
simpático, vocês dois de calção?
Vão sorrir um para o outro da
mesma maneira? Provavelmente
não vão nem se reconhecer.
Você bebe seu penúltimo drinque pensando nessas loucuras da
vida. A conta de uma das mesas
resolveria o problema de fim de
mês daquele garçom; o que se
passa na cabeça dele? Será que fica feliz porque tem gente consumindo, o que é a segurança do seu
emprego, ou enquanto serve e é
gentil pensa no preço do vinho
italiano e tem vontade de quebrar
a garrafa -cheia- na cabeça do
cliente que já pediu a segunda?
Não necessariamente para matar, só para fazer aquele estrago, e
exatamente na cabeça daquele
que dá as maiores gorjetas. E
alguém tem o direito de dar uma
gorjeta, alta ou baixa, só porque
quer? Porque pode? É muita
humilhação.
Mas não faz nada; dentro de
sua relativa ignorância -ou sabedoria-, sabe que pegaria vários anos de cadeia se fizesse o que
está com vontade de fazer, e sabe
também que ninguém entenderia; afinal, sempre foi considerado uma flor de funcionário.
Ela vê tudo isso como se fosse
um filme; toma mais um drinque,
o último, dá várias risadas, as últimas, e vai para casa sozinha,
pensando se não seria mais feliz
se não pensasse em tanta bobagem.
Ou ainda tivesse alguma ilusão.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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