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GILBERTO DIMENSTEIN
São Paulo é das mulheres. Menos de Marta
De cada 100 novos empregos
na cidade de São Paulo, 70
são ocupados por mulheres, quase
todas com diploma de ensino superior ou médio.
Persistem disparidades salariais entre homens e mulheres. As
recentes estatísticas, porém, indicam redução dessa diferença. Enfrentando preconceitos, vão assumindo cargos de chefia, normalmente dominados por homens.
Elas são maioria não só no ensino médio e superior mas também
nos cursos de pós-graduação. As
notas dos alunos nas universidades públicas indicam que o desempenho delas é superior ao dos
homens.
São a maioria do eleitorado, o
que significa poder direto de voto.
Isso sem contar a influência que
exercem sobre os filhos e maridos
-influência comprovada nas
mais recentes pesquisas de avaliação de mudança dos padrões
de consumo.
Esses fatos são ingredientes do
enigma de Marta, que consiste no
seguinte: como uma candidata
tão bem avaliada administrativamente, apoiada pelo governo
federal (também bem avaliado),
montada em muito dinheiro de
campanha, disputando a prefeitura de uma cidade em que as
mulheres mandam cada vez
mais, perdeu a eleição?
O enigma não se refere apenas a
São Paulo, mas a todo o país e servirá também para orientar a próxima sucessão presidencial.
Quando os ânimos serenarem e
houver maior distanciamento,
aposto que vamos concluir que,
entre as várias explicações, está o
fato óbvio de que Marta Suplicy
apanhou por todos os seus erros
(excesso de taxas e má gestão na
saúde, por exemplo) e pelos acertos na campanha de seu adversário, mas sobretudo por não saber
escutar. A dificuldade de ouvir,
embalada pela presunção da vitória, fez que dividisse o mundo
entre aliados e inimigos; em muitos casos, entre bajuladores e críticos. Essa soberba tornou mais
difícil para a prefeita lidar com o
preconceito contra as mulheres,
do qual também foi vítima.
Não escutou a classe média,
que, como se vê agora, foi a peça-chave das eleições paulistanas
-muito mais do que a periferia
ou os milionários.
Na semana passada, a assessoria mais próxima da prefeita lançou a tese de que Marta perdeu
por causa da sua vida conjugal. E,
no caso, a culpa seria de Eduardo
Suplicy, que, ao "posar de vítima"
por tanto tempo, teria transmitido a impressão de que ela é insensível, cruel até. Estaria aí a gênese
da imagem de arrogância.
A versão, destinada a encontrar
os culpados pela derrota, é obviamente um ridículo exagero. Volto
a dizer, porém, que, ao se separar,
ainda mais de um político de
prestígio, Marta aguçou preconceitos. Fosse um homem que se separasse nessa condição, haveria
também reação, mas provavelmente não na mesma proporção.
A disposição de enfrentar brigas
falando duro poderia ter sido encarada como sinal de coragem, de
ousadia, a serviço do interesse público. Mas, para muitos, reforçou
a imagem de arrogância.
Por quê?
Para alguns segmentos da população, a mulher deveria ser
mais delicada, ter um comportamento conformado, servil até.
Aqui, entra uma dose de preconceito. Em certos momentos, houve
mesmo coragem incompreendida. Mas quem acompanhou os
bastidores do governo municipal
viu como ela tropeçava nos limites entre franqueza e rispidez, autoridade e prepotência, determinação e falta de educação, coragem e impulsividade.
Parecia alternar o papel da mulher rica disposta a resgatar a periferia desolada, onde fez mesmo
ações interessantes, algumas das
quais históricas, com o da mulher
afetada da elite paulistana, que
não gosta de ser contrariada e
reage impulsivamente. No jogo de
imagens, é como se fosse uma
mesma moeda: de um lado, a
aristocrata esclarecida na batalha contra a injustiça social e, de
outro, a patroa irascível brigando
com a empregada.
Como a derrota vai diminuir o
número de bajuladores, talvez
Marta tenha condições de fazer
uma reflexão solitária. Talvez
perceba que, se tivesse sabido escutar mais e melhor, gastando
mais tempo para explicar com
mais paciência sua administração, ouvindo com mais respeito as
críticas, os preconceitos, ainda
que continuassem pesando, pesariam muito menos.
Para seu azar, pegou pela frente
Serra, que, além de ter uma imagem positiva e ser apoiado por
um governador também com boa
imagem, apanhou tanto por ter
escutado que descobriu o pragmatismo da humildade. Ele
aprendeu, por exemplo, que a sua
crônica impontualidade era vista
como sinal de soberba, de desrespeito, e não de desligamento. Se
vai continuar assim, vamos ver.
A derrota é passado e Marta
ainda tem um futuro político pela
frente. Se passar por um banho de
auto-análise, vai sair dessa melhor do que entrou. Do contrário,
vai continuar sendo vítima de si
própria -e, como uma pessoa
imatura, achando que a culpa é
só dos outros.
PS - Lições do enigma Marta para
as próximas eleições. Os candidatos terão de apresentar uma boa
agenda para o público feminino
-e Serra, com o tema saúde, fez
isso. Terão de saber conversar
com a classe média, cada vez
maior devido ao aumento da escolaridade. Por ser filho de imigrantes que trabalharam na feira,
ex-aluno de escola pública que
entrou na faculdade, Serra conseguiu se identificar com esse segmento metropolitano. Ele tem
muito mais a cara de São Paulo,
onde quase todos são imigrantes
ou migrantes (ou filhos deles) do
que um mulher que ostenta -na
fala, nas roupas e nos trejeitos-
o Jardim América. A classe média
arredia é parte da explicação do
mistério Marta -e, quem sabe, o
desafio do PT se quiser reeleger
Lula.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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