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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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ENTREVISTA

Vaticano e Bush são aliados contra os direitos da mulher, afirma ONG

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Nove anos anos atrás, quando se realizou o encontro do Cairo, uma das maiores ameaças aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres vinha da Igreja Católica. Agora, o Vaticano ganhou um aliado de grande peso: o governo do presidente George W. Bush.
O alerta foi feito na Assembléia da Rede Latino-Americana da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, que terminou na sexta-feira em Atibaia (SP). O grupo já existe há dez anos no Brasil e foi criado nos EUA há três décadas. São pessoas católicas que buscam justiça social e mudanças de padrões culturais e religiosos. Não acatam muitas das decisões do Vaticano, mas não abrem mão de sua condição de católicas.
Entre as bandeiras do grupo, está o direito de serem ordenadas sacerdotisas, defendem que os padres possam se casar e atribuem à mulher o direito de decidir sobre o aborto e a contracepção.
Também defendem a união civil dos homossexuais, condenada em documento pelo Vaticano. Em carta aberta divulgada na sexta, as Católicas pelo Direito de Decidir atacam o pronunciamento feito pela igreja na última segunda-feira, condenando o uso do preservativo exatamente no Dia Mundial de Luta contra a Aids. "A mensagem do Vaticano chega a citar os hospitais e casas de apoio que a igreja mantém para cuidar dos doentes de Aids, mas, ao condenar o preservativo, ela mesma participa da condenação dessas pessoas", diz a socióloga Maria José Rosado, presidente da ONG no Brasil.
A principal bandeira das Católicas é o direito ao aborto, como forma de a mulher decidir sobre o próprio corpo. De acordo com a Rede Feminista de Saúde, são realizados no Brasil cerca de um milhão de abortos em situações clandestinas por ano. Cerca de 250 mil mulheres são internadas por ano na rede pública por abortos provocados. Segundo o Instituto Alan Guttmacher, uma ONG norte-americana, 4 milhões de abortos clandestinos são feitos na América Latina e no Caribe.
Rosado acha que tanto a igreja quanto os Estados que não providenciam cuidados devem ser responsabilizados pelas mortes provocadas por abortos clandestinos e pela Aids decorrente do sexo desprotegido. "Os dois casos são problemas graves de saúde pública", afirma. "O aborto é a terceira causa de morte materna na país, um fato totalmente inaceitável, pois nenhuma mulher deveria morrer por isso."
Abaixo, trechos da entrevista:

 

Folha - A Conferência do Cairo, em 1994, foi vista como um grande avanço para os direitos das mulheres. Como está a situação agora?
Maria José Rosado -
Na época, havia uma situação bastante favorável, e 197 países assinaram a declaração se comprometendo a avançar na questão dos direitos da mulher. Estamos agora preparando as reuniões do "Cairo+10", que ocorrerão no próximo ano, em situação completamente desfavorável. O Vaticano encontrou no governo Bush um aliado civil que assumiu suas posições.

Folha - A carta aberta divulgada pela assembléia de Atibaia é toda dedicada à posição da igreja quanto à camisinha.
Rosado -
A mensagem do Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde provoca indignação. Como diz a carta, o documento vê a Aids como uma "uma patologia do espírito", afirma, mais uma vez, que a causa de sua expansão é o hedonismo, a sexualidade livre e a ausência de valores morais, reafirmando que a castidade, a fidelidade e a abstinência são as as formas mais eficazes de prevenção. Mas a igreja -como diz a carta- não pode continuar pretendendo ser a instância ética que fala ao mundo, quando tem sido protagonista de abusos sexuais de menores e quando nega os direitos sexuais das mulheres.



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