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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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GILBERTO DIMENSTEIN

O futuro da educação está no hospital

A educação do futuro foi apresentada involuntariamente, na terça-feira, em um inusitado cenário: um hospital. Ali se diagnosticou que a escola como a conhecemos, do ensino básico ao superior, está morrendo.
O Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, inaugurou, na semana passada, um instituto de pesquisas, destinado, entre outras coisas, a oferecer cursos de mestrado e doutorado. A idéia é compartilhar todo o seu conhecimento de ponta, nutrido por alguns dos melhores médicos do país, com o acesso ao que há de mais sofisticado tecnologicamente.
Essa mesma trilha já vinha sendo seguida pelo Hospital Albert Einstein e pela Beneficência Portuguesa.
O que, afinal, têm a ver esses projetos em hospitais com a morte da escola? Tudo.

 

Os médicos Salomon Benebou, da Beneficência Portuguesa, e Roberto Padilha, do Sírio-Libanês, responsáveis pelos respectivos institutos de pesquisa, apostam na seguinte tendência: a sala de aula está saindo das escolas. Traduzindo: cada vez mais, ensino e pesquisa também serão realizados em centros de excelência.
A aposta está certa. Quem se dispuser a assegurar o rótulo de excelência em qualquer atividade terá de produzir conhecimento, o que implica investimento em pesquisa. Entidades que não dependem de verbas públicas e conseguem se financiar são mais ágeis e não têm as tantas amarras burocráticas do setor público.
 

O mais importante é o seguinte: gera-se tanta inovação e em tão pouco tempo que o sistema de ensino tradicional já não consegue administrar tanta informação. O resultado é que a sociedade se "escolariza".
A tendência em hospitais privados de referência começa a entusiasmar empresas de ponta, que desenvolvem as chamadas universidades corporativas. Algumas delas já começam a se preparar para abrir-se, oferecendo cursos a pessoas de fora. Imagine quantos candidatos correriam atrás de vagas se as mais renomadas empresas oferecessem cursos de nível superior, com a devida carga horária, ministrados por seus melhores profissionais. Bancos já planejam fazer ofertas desse tipo no próximo ano.
 

Suponha-se que Nizan Guanaes (África), Washington Olivetto (W/Brasil) e Júlio Ribeiro (Talent) resolvessem montar, em conjunto com seus melhores profissionais, cursos nas respectivas agências de publicidade, compartilhando o que aprenderam -e eles próprios se dispusessem a dar pelo menos uma aula por mês. Alguém tem dúvida de que seria uma febre entre alunos de propaganda e marketing?
Um sinal é colhido aqui mesmo na Folha. Por semestre, abrimos dez vagas para um curso prático de jornalismo, que põe jovens recém-formados em contato com profissionais. Para cada turma, apresentam-se 2.000 candidatos.
Por que, então, a escola, como a conhecemos, está morrendo? É simples. O ensino eficaz será cada vez mais baseado em observação e experimentação: o aluno será o protagonista e o professor será um administrador de curiosidades. Mas não é só isso.
 

A escola eficiente será aquela que, além de trabalhar o máximo possível com a experimentação e trazer o currículo para o cotidiano, terá de tirar proveito do que chamo de escolarização da sociedade. Ou seja, fará parcerias permanentes, formando percursos educativos integrados ao currículo, para que parte das aulas seja dada nos museus, nos teatros, nos hospitais, nas empresas, nos laboratórios, nos centros de pesquisa, nas praças públicas, nos concertos, nas exposições. Sem contar, o que é óbvio, que boa parte do conteúdo informativo já estará à disposição na internet.
 

Isso que estou dizendo não é profecia. Em muitos lugares, em diferentes graus, esse processo já está em andamento. Quando morava em Nova York, vi o êxito de projetos que mesclam a comunidade com a escola -o que também vi na Índia e na Bahia. Desde que voltei para o Brasil, em 1998, tenho testemunhado, em São Paulo, a construção da experiência do bairro-escola, realizada por educadores. Sinteticamente, busca-se transformar o bairro numa escola. Utilizam-se praças, estações de rádio, restaurantes, becos, oficinas de vela, danceterias, quadras de esporte, cinemas, bufês e oficinas de brinquedos como extensões permanentes da escola. Apesar de sete anos ainda serem pouco tempo para uma avaliação científica desse tipo de experiência, dá para ver a olho nu o progresso dos estudantes.
 

Suspeito até que talvez já tenha passado o tempo do projeto de escola em tempo integral, que nunca atingimos - talvez seja o tempo de articular comunidade e educação, fazendo da cidade uma escola.
Ainda vai demorar um punhado de anos para as pessoas comuns perceberem a morte da escola como está aí -e muito mais ainda para surgirem novos padrões de ensino-, mas é apenas uma questão de tempo.
 

PS - O problema, no Brasil, é que somos desafiados pelo acúmulo de deficiências. Na mesma semana em que o Hospital Sírio-Libanês exibia o molde da educação do futuro, o IBGE nos informava sobre o passado -menos de 10% das crianças de zero a três anos, fase decisiva no desenvolvimento infantil, estão em creches e pouco mais de 6% dos jovens estão nas faculdades.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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