São Paulo, segunda-feira, 08 de fevereiro de 2010

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MOACYR SCLIAR

A extraterrestre


As chances de encontrar um verdadeiro amor eram baixas, de 0,00034%, as mesmas de achar um extraterrestre


Romances podem acontecer diariamente, mas encontrar um verdadeiro amor em Londres pode ser tão difícil quanto encontrar extraterrestres, segundo declarou um economista londrino. Peter Backus, professor de economia na Universidade de Warwick, calculou que tem 0,00034% de chances de encontrar um amor na capital inglesa; é aproximadamente a mesma chance de que existam extraterrestres na nossa galáxia. Backus, 31 anos, quer uma mulher radicada em Londres, com idade entre 24 e 34 anos, com formação universitária, e que o atraia fisicamente, e que veja nele um parceiro ideal. Folha Online

ELE NADA tinha de excepcional, um homem comum, nem alto nem baixo, nem feio nem bonito. Isso não impedia que fosse extremamente exigente em matéria de mulheres. Sabia exatamente que tipo feminino o atraía, e sabia também que lhe seria muito difícil encontrar essa mulher ideal.
Experiente em estatística, tinha até calculado as chances de que isso acontecesse, e eram desanimadoramente baixas: 0,00034%. Como lhe disse um amigo: "As mesmas chances que você tem de encontrar uma extraterrestre". "Pois então um dia eu vou encontrar uma extraterrestre", respondia ele, brincando.
Uma noite, voltando para casa, avistou na rua deserta àquela hora uma moça que fez o seu coração bater mais forte. De imediato teve certeza de que ali estava, enfim, a mulher de seus sonhos. Não era muito bonita, na verdade era um tipo estranho, com traços faciais pouco comuns, mas ele sabia que sua busca tinha terminado.
Dirigiu-se à jovem, apresentou-se, falou do sentimento que o possuía naquele momento. Ela não respondia: sorria, simplesmente. Tomou-lhe a mão e seguiram juntos para o prédio em que ele morava, a pequena distância dali. Entraram no apartamento, localizado no último andar e, possuídos de uma paixão violenta, tiveram uma tórrida relação.
Depois, ficaram deitados, ele, ofegante, ela sorrindo em silêncio. Ele lhe fazia perguntas, queria saber que idade ela tinha, se possuía formação universitária: os indicadores que estabelecera e que a incluiriam na mágica percentagem de 0,00034%. Mas ela continuava em silêncio, e por fim ele acabou adormecendo.
Acordou sobressaltado: alguma coisa estava acontecendo. A porta do terraço estava aberta e por ela entrava uma luz intensa, tão intensa que quase o cegava.
Apesar disso, pôde ver que a moça se dirigia para fora. E o que havia ali o deixou abismado: era uma nave espacial. Não muito grande, mas uma clássica nave espacial, com formato de disco voador e tudo. Nessa nave a moça entrou. O rapaz levantou-se para tentar detê-la mas teve uma súbita vertigem e caiu, desmaiado, sobre a cama.
Quando recuperou os sentidos, já estava anoitecendo. A porta do terraço continuava aberta, mas não havia sinais de nave espacial ou da moça. Fora um sonho, aquilo? Ou realmente os 0,00034% se haviam transformado em realidade?
Ele está pensando em ver o filme Avatar. Acha que vai reconhecer, entre as mulheres do planeta Pandora, aquela que o visitou. A única coisa que o faz vacilar são as escassas chances de que isso aconteça. Já fez o cálculo: são menores que 0,00034%.

MOACYR SCLIAR escreve nesta página, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha .

moacyr.scliar@uol.com.br


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