São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998

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Reprovação de 5 milhões emperra ensino no Brasil

FERNANDO ROSSETTI
enviado especial a Brasília

O Brasil repete por ano 5 milhões de crianças no ensino fundamental. Somando isso aos que abandonam a escola durante o ano, um em cada três alunos não conclui a série em que se matricula.
Esse é um dos principais problemas do ensino brasileiro. Mas está prestes a ser eliminado, simplesmente, por decreto.
Embora polêmicas, proliferaram nos últimos cinco anos medidas como aprovação automática, sistema de ciclos, classes de aceleração, recuperação, entre outras.
São iniciativas que ou impedem o professor de reprovar ou, além disso, oferecem uma estrutura especial aos alunos com dificuldades para que eles acompanhem a turma e continuem na escola.
Todas partem do princípio de que a reprovação é onerosa -já que os alunos cursam várias vezes um mesmo ano- e produz resultados pedagógicos negativos.
O estudo que mais evidencia isso é o Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Básico), que aplicou um conjunto de provas em 95 em grupos de alunos por todo o país.
As crianças que estão na série adequada à sua idade tiram notas melhores do que aquelas que já repetiram uma ou mais vezes.
Por exemplo, na 4ª série, a idade adequada é 10 anos. Os estudantes com essa idade tiraram no Saeb nota média em leitura 53%. Na mesma série, os alunos com 11 anos tiraram nota média 50%. Com 12 anos, 46%. Com 15 anos ou mais, 45% (veja o quadro).

Pedagogia da repetência
Quem estudou em uma boa escola, pública ou particular, em geral se lembra da reprovação como uma medida disciplinar importante. O aluno "folgado" era reprovado. Mas, nessas escolas, os repetentes são exceções.
O problema é que na rede pública brasileira a reprovação de alunos é a regra -a ponto de os especialistas da área terem cunhado a expressão "pedagogia da repetência" para descrever essa tradição.
Quanto pior a qualidade do ensino, maior a repetência e a evasão. Os indicadores do Nordeste, comparados aos do Sudeste, mostram isso. "Temos de eliminar a reprovação, mas não a avaliação", afirma o ministro da Educação, Paulo Renato Souza. "A questão não é passar de ano sem ser avaliado. O que nós precisamos é que todo mundo obtenha aproveitamento."
Para ele, "as escolas hoje estão lavando as mãos. O caminho é substituir a reprovação de alunos pela responsabilidade da escola. Mas isso não dá para fazer de cima para baixo, por decreto. Será uma mudança gradativa".
O problema é que essas medidas estão, sim, sendo implantadas por decreto. E é aí que há polêmica.
As redes estaduais de São Paulo e Minas introduzem neste ano dois ciclos no ensino fundamental. Não se reprova mais alunos entre a 1ª e 4ª série e entre a 5ª e a 8ª.
"Não é fácil lidar com essas transformações. A secretaria solta muitas coisas nas nossas mãos e nós temos de nos virar", diz o diretor da Escola Estadual Tito Fulgêncio, de Belo Horizonte, Sérgio Luiz de Paula. "É preciso ter muito jogo de cintura. Se o professor não tem pulso forte, corre o risco de a turma ficar indisciplinada."
A Apeoesp, o sindicato de professores da rede estadual de São Paulo, diz que o governo não está dando o apoio necessário para que os ciclos não virem uma simples aprovação automática.
A secretária de Estado da Educação de São Paulo, Rose Neubauer, nega. Segundo ela, seu projeto prevê recuperação contínua para os alunos durante todo o ano.
Enfim, os governantes dizem que as medidas que estão implantando melhorarão o desempenho do sistema. Os professores dizem que estão sem condições adequadas para implantar essas medidas. Mas, apesar da discórdia, o país deverá eliminar a reprovação já no início do próximo século.


Colaborou Fabia Prates, da Agência Folha, em Belo Horizonte


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