São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998

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R$ 1,4 bi podem tirar 7 milhões de alunos do atraso

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
enviado especial ao Maranhão

Com R$ 1,4 bilhão o Brasil poderia, em tese, eliminar a defasagem que emperra o fluxo escolar e levar 7 milhões de alunos com pelo menos dois anos de atraso para uma série mais compatível com a idade.
É uma soma grande, mas não impossível de se obter. Equivale a três meses de arrecadação da CPMF -a contribuição sobre movimentações financeiras, que se destina à área de saúde.
Por R$ 200 a mais per capita seria possível fazer um aluno atrasado saltar até três séries. Não se trata de mágica, mas de investimento em livros, material didático, treinamento do professor, supervisão e avaliação externa, diz o consultor João Batista Araújo e Oliveira.
As chamadas classes de aceleração já são uma realidade em vários Estados, com resultados positivos. Os projetos mais antigos, alguns com três anos, estão sendo implementados no Maranhão (leia texto ao lado), em Minas Gerais e em São Paulo.
Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), cerca de 150 mil alunos estão se beneficiando desses programas no país e saltando, por exemplo, da 2ª série para a 5ª série do ensino fundamental. Mas isso ainda é pouco -apenas 2,1% do total de alunos aptos a estarem em uma classe de aceleração.
As altas taxas de repetência, a entrada tardia das crianças na escola e a evasão formam o tripé de problemas que provoca o atraso escolar e que forma o principal gargalo do ensino público do país.
A defasagem chegou a tal ponto que há no Brasil mais alunos matriculados no ensino fundamental do que crianças de sete a 14 anos, as quais, em tese, seriam a população total atendida por essas oito primeiras séries.
Dos quase 34 milhões de matrículas, ao menos 5,5 milhões são de adolescentes de 15 anos ou mais, que já deveriam estar no ensino médio, mas, por causa do atraso escolar, estão engarrafando as classes do ensino fundamental.
Do ponto de vista da escola, a defasagem idade/série provoca acúmulo de estudantes nas primeiras séries e ineficiência: todo ano os professores têm de ensinar a mesma coisa para pelo menos 30% dos alunos do ensino fundamental que não passaram de ano.
Para o estudante, repetir várias vezes a mesma série acaba por estigmatizá-lo, além de provocar distorções no perfil das classes. Nos casos mais dramáticos, jovens de 14 anos são obrigados a conviver com crianças com a metade da sua idade numa classe de 1ª série.
"Um dos problemas mais graves é para a auto-estima do aluno", afirma Iara Prado, secretária de ensino fundamental do MEC. Desestimulado, o estudante tende a abandonar a escola.
Classes de aceleração
É por essa razão, diz a secretária, que o ministério da Educação lançou uma linha de financiamento para os Estados que quiserem adotar programas de aceleração de aprendizagem: "As classes são organizadas por idade, com material adequado à faixa etária e um professor treinado para lidar com esse aluno que já tem a auto-estima muita baixa".
O MEC financia o material didático e a capacitação dos professores. O resto fica por conta dos governos estaduais. Até a iniciativa privada tem se envolvido no problema. A Fundação Ayrton Senna, por intermédio da Fundação Carlos Chagas, também tem financiado classes de aceleração.
A base do problema, entretanto, requer outras iniciativas. O acúmulo de alunos atrasados em relação à série que deveriam estar se deve, principalmente, à interrupção do fluxo escolar. Em outras palavras, à repetência.
Um estudo comparando os dados dos censos escolares de 1995 e 1996 mostra que há dois gargalos principais: na 1ª e na 5ª séries do ensino fundamental. No primeiro caso, apenas 54 de cada 100 alunos matriculados passam à 2ª série. No outro, só 59 de 100 são promovidos para a 6ª série.
As melhores taxas de aprovação ocorrem na 4ª e 8ª séries: 75/100 e 79/100, respectivamente.
Na 1ª série, o gargalo ocorre porque os alunos que não conseguem ser alfabetizados acabam reprovados. Na 5ª série é quando se dá a transição curricular e, em algumas escolas, vários professores, lecionando disciplinas específicas, dão aula para a mesma classe.
Para Iara Prado, o problema não é com os alunos, mas com os professores. Ela considera que boa parte do corpo docente não tem formação pedagógica adequada, nem domina os conteúdos das disciplinas que devem ensinar.
Segundo João Batista Gomes Neto, diretor do Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa Educacionais, a situação já foi pior.
Entre outros motivos para a melhoria do fluxo escolar nos últimos anos, ele aponta, por exemplo, a adoção do ciclo básico de alfabetização em Estados como São Paulo, Minas Gerais e Paraná.
Nesse sistema, os alunos das primeiras séries do ensino fundamental são promovidos automaticamente às séries seguintes. Mesmo assim, diz Gomes Neto, o Brasil ainda registra taxas muito altas de repetência da 1ª à 5ª série.



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