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PASQUALE CIPRO NETO
"A haver, são poucos"
Como faço há algum tempo, tratei de fugir da pátria
amada no Carnaval. Simplesmente não aguento o tal "Tríduo
de Momo", que, na verdade, há
muito tempo deixou de ser tríduo
(período de três dias) e se transformou em "quinquídeo" (período de cinco dias).
Em rápida passagem por Lisboa, recolhi esta delícia, publicada num título de alto de página
do jornal "Público": "A haver, são
poucos". Tratava-se de declaração de executivo da empresa Sociedade Porto 2001 a respeito da
acusação de que haveria imigrantes ilegais em seu quadro de
funcionários.
Que quis dizer o executivo, afinal? Para nós, a construção, de
início, parece insólita, mas com
algum esforço nos lembraremos
de outras semelhantes, como esta:
"A continuar assim, não conseguirá nada". A oração "A continuar assim" equivale a "Se continuar assim", ou seja, expressa
idéia de condição. Lembrou?
Pois é, a frase do executivo corresponde a "Se houver (imigrantes ilegais), são poucos". Estamos
diante do que um dia aprendemos na escola com o assustador
nome de "orações reduzidas".
Lembra o que é isso? Uma oração é reduzida quando seu verbo
está no gerúndio ("continuando",
"havendo"), no particípio ("continuado", "havido") ou no infinitivo ("continuar", "haver").
Quando o verbo se apresenta
conjugado no indicativo, no subjuntivo ou no imperativo, a oração é considerada desenvolvida.
Em vestibulares importantes, é
muito comum a abordagem do
assunto. O que mais se pede é justamente a demonstração da capacidade de perceber a equivalência entre as estruturas reduzidas e as desenvolvidas.
Voltando ao exemplos iniciais,
é preciso salientar um pormenor:
você percebeu que na troca de "a"
por "se", a forma "continuar" se
manteve e "haver" passou a
"houver"? Pois bem. Nos verbos
regulares e em muitos irregulares,
o infinitivo é igual a duas das formas do futuro do subjuntivo, o
que ocorre com "continuar"
("quando/se eu continuar, quando/se tu continuares, quando/se
ele continuar...").
Com "haver", isso não se verifica, já que seu futuro do subjuntivo é "quando/se eu houver, quando/se tu houveres, quando/se ele
houver...". É bom lembrar também que o "se" é conjunção condicional e que nas orações reduzidas não existem conjunções. O
"a" de "A continuar" e "A haver"
é preposição. Talvez esteja aí a
raiz da dúvida quanto ao emprego do verbo "haver" quando precedido da locução "no caso de".
Que forma se usa: "haver" ou
"houver"? "No caso de não haver
jogo" ou "No caso de não houver
jogo"? Usa-se "haver", já que "no
caso de" (perdoem-me pelo palavrão) é locução prepositiva, isto é,
expressão equivalente a uma preposição. A oração, portanto, é reduzida, e não desenvolvida.
Como já afirmei várias vezes
neste espaço, mais importante do
que a nomenclatura é o conhecimento das várias estruturas que,
nos seus diferentes níveis, a língua oferece. Conhecer a forma
usada pelo empresário português
não mata ninguém. Pouco comum no nosso dia-a-dia, essa
construção encontra registro
abundante na linguagem escrita
formal culta. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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