São Paulo, segunda-feira, 08 de março de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Poderia ter evitado a morte", diz A.L.X.

DA REPORTAGEM LOCAL

O comparsa afirma que quer matar a vítima do assalto e pergunta se pode. A.L.X., então com 14 anos, balança os ombros e diz "normal, normal". A palavra é entendida pelo comparsa como uma autorização. O homem dono do carro é morto com dois tiros.
A cena é lembrada pelo próprio jovem A.L.X., interno da Febem há dois anos e três meses. Mas agora, na fala do próprio adolescente, ganhou tom de indignação. "Não sei como pude falar aquilo. Se eu quisesse, poderia ter evitado a morte", admite.
Há seis meses na unidade 19 do complexo Tatuapé, A.L.X. diz que agora tem consciência da indiferença com que tratou a vida de uma pessoa. "Poderia ser alguém da minha família. Poderia ser eu mesmo", diz o jovem.
A.L.X. diz que é responsável, mesmo não tendo feito os disparos. Nas sessões com o grupo de psicólogos, afirma ter se conscientizado disso. "Antes falava que a culpa era do outro. Agora sei que o que fiz foi muito grave." E ele não é exceção. Como A.L.X., outros internos ouvidos pela reportagem também assumiram o erro e alguns descobriram por que agiam dessa forma.
R.P.C., 18, matou outro jovem com uma facada. A morte foi o resultado de uma vida conturbada por brigas constantes na rua. "Eu era nervoso, brigava com todo mundo", afirma.
Na Febem, diz ter entendido que a causa de seu comportamento era mais antiga. Ele foi abandonado pela mãe e nunca conheceu o pai. Também se sentia inferior às duas filhas que sua mãe teve depois, as quais ela não abandonou.
Só depois de internado na Febem, R.P.C. chamou a mãe e teve coragem de perguntar por que fora abandonado. A mãe disse que não tinha condições de criá-lo e o entregou para a avó do garoto.
Ela, que mal falava com o filho, viaja 174 km de Mococa para São Paulo todos os finais de semana para visitá-lo. "Estou mais tranqüilo. Não quero mais brigar com ninguém", diz R.P.C., outro participante do programa.
E não só internos admitem suas culpas e medos. O coordenador de equipe Arnaldo Sebastião da Silva, 33, reconhece que teve medo quando foi se transferir do serviço burocrático para o contato direto com os internos.
"Senti medo das rebeliões, de ser agredido, de ser jogado de cima do telhado. Ficava à distância [dos internos]", diz Silva. O tempo passou e ele afirma ter percebido que o medo era infundado. Hoje, é referência entre os jovens.
Quando o professor Carlos Roberto Prado chegou à unidade, Silva diz que também ficou receoso "porque poderia influenciar na dinâmica da casa e no comportamento dos garotos". Agora, é um dos maiores incentivadores do serviço. "Os garotos estão mais calmos e a relação melhorou."
O interno A.L.S., 17, concorda com ele. "Agora a gente conversa, brinca [com os funcionários]." (GP)


Texto Anterior: Experiência anterior foi fracassada
Próximo Texto: Trabalho surgiu após palestra
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.